O Público de hoje retoma uma matéria que
regularmente emerge, o ensino discriminado, a que num enorme equívoco se chama
ensino diferenciado, ou seja e no caso, escolas para rapazes e escolas para
raparigas. No trabalho do jornal são ouvidos alguns alunos e alunas e o
director e directora dos Colégios Planalto (para rapazes) e Mira Rio (para
raparigas) que se referem às virtudes do ensino discriminado face à
co-educação.
Recordo que em 2011 esteve em Portugal David
Chadwell, apresentado como especialista
em ensino diferenciado, em formação para o corpo docente do Colégio Planalto e numa
conferência na U. Católica, para explicar
como se devem ensinar os rapazes que, por serem rapazes, devem frequentar
escolas, claro, só para rapazes. Uma nota breve sobre a designação, o equívoco
a que me referi. Ensino diferenciado significa a mobilização de metodologias de
trabalho educativo que procurem responder à diversidade dos alunos na sala de
aula, ou seja, sendo as salas de aula constituídas por grupos heterogéneos em
diferentes critérios, torna-se necessário encontrar respostas diferenciadas
para as diferentes características mantendo as crianças juntas. Não existem grupos
homogéneos, nem constituídos por gémeos. David Chadwell será especialista em
ensino discriminado, o que representa exactamente o contrário de diferenciação
educativa.
Parece ainda de relembrar que também sob a
Cooperativa Fomento, ligada à Opus Dei que integra os Colégios Planalto e Mira
Rio bem como dois outros estabelecimentos no Porto com ensino discriminado, em
2007 esteve em Lisboa o Professor Cornelius Riordan, sociólogo, que proferiu
também uma conferência sobre as vantagens das escolas só para rapazes ou só
para raparigas.
Como afirmação prévia, importa esclarecer que não
discuto a legitimidade que informa a decisão de pais e encarregados de educação
sobre as escolas que desejam para os seus filhos. Sendo certo que a liberdade
de escolha é condicionada por múltiplos factores, também é certo que essa
escolha pode assentar em critérios como público ou privado, dimensão, estatuto
social predominante, laica ou religiosa, com farda obrigatória ou não, com
formação de natureza militar ou não, com co-educação ou com separação de géneros,
estabelecimentos em moda, etc. Num esforço de alargamento de opções poderá
colocar-se até a possibilidade de se desejarem escolas para alunos com excesso
de peso que terão, naturalmente, um plano curricular reforçado no âmbito da
actividade física e cuidados redobrados na alimentação ou escolas para qualquer
forma de minoria para que, ideia peregrina, fiquem mais protegidas dos excessos
das maiorias, etc. Estas escolhas assentarão, necessariamente, no conjunto de
valores, cultura, representações, expectativas, etc. dos pais. Trata-se de uma
opção que lhes assiste.
A questão mais substantiva e que justifica o
comentário é a afirmação de que escolas separadas por género são melhores e
alguma da sustentação aduzida. Nem Riordan, Chadwel ou os directores dos
Colégios apresentam evidência consistente sobre a superioridade do ensino
discriminado por géneros assente nas diferenças entre rapazes e raparigas. A
defesa do modelo é um enunciado de convicções e de referências pedagógicas sem
qualquer solidez no que respeita ao que entendem ser as necessidades escolares
diferentes dos rapazes e das raparigas, algumas de uma ingenuidade bonita, os rapazes acham que se distraem menos por não ter raparigas na sala. É pouco, muito pouco. Curiosamente, o
Professor Riordan afirmou na altura que mais de metade dos estudos não são
conclusivos sobre os efeitos positivos, mas crê nas vantagens das escolas
separadas. Porque sim.
Justificou, por exemplo, com a questão do assédio
sexual que, segundo ele, terá estado na base da tragédia na Universidade
Virgínia Tech !!! Para demagogia não está mal. Defendeu também que as políticas
educativas promotoras da equidade nos géneros faliram porque, afirmou Riordan, o facto de as raparigas terem actualmente um
maior acesso por exemplo ao ensino superior e, frequentemente, melhor
rendimento académico, implicou a transformação dos rapazes “num grupo
claramente em desvantagem” o que só se resolve se forem para escolas separadas.
Não lhe ocorre um momento pensar na organização, qualidade e modelos dos
processos educativos, certamente um pormenor.
Uma outra questão interessante e não habitualmente
abordada, remete para os limites da educação separada. Será desejável até ao
fim do secundário ou será melhor prolongar também durante o ensino superior e,
entretanto, começar o processo de separação do mercado de trabalho também por
géneros, uma vez que em adultos também homens e mulheres têm características
diferentes?
Termino como comecei, entendo como totalmente
legítima a existência de valores e convicções que sustentem a opção pela
educação separada mas, por uma questão de honestidade intelectual, não os
mascarem de ciência.
4 comentários:
Caro Professor, não podia estar mais de acordo consigo.
Lacan dizia que a Criança de Piaget não tinha biografia, estes senhores querem que os jovens não tenham nada mais que estudos.
Não posso deixar de citar novamente a Sophia de Mello Breyner: "Perdoai-lhes Senhor porque eles sabem o que fazem".
Abraço
António Caroço
A diversidade e a exposição (e actuação) dos alunos e alunas à diversidade e heterogeneidade (seja de género, de raça, de nacionalidade, de convicção religiosa, de classe social, entre outros) constitui uma mais-valia para quando o(a) aluno(a) chegar à idade adulta.
E quanto mais cedo ocorrer essa abordagem à diversidade melhor...
Sem dúvida
interessante a afirmação que são os rapazes que se distraem com as raparigas... em que século vivem estes senhores? e se não se distrairem, como lhe chamam, nessa idade, em que adultos se transformarão? e ainda, que a ideia que a vantagem delas resulta em desvantagens académicas deles... sim, sim, ou talvez, veja-se o mercado de trabalho, os lugares de dirigentes e chefias, etc
tão estranho e distante, mas afinal bem na base de um certo grupo social que tem a ideia que pertencer à elite é passar por escolas destas onde se encontram pais, professores e directores destes... arrepiante! separem-se todos, tenham filhos em provetas, e dividam os vosso tempo entre oração e especulação financeira, um mundo certamente melhor, acreditarão... por fim, agradecer ao autor do texto por defender que nãp se mascare ideologia com ciência, não basta apresentar título de psicólogo, sociólogo o que seja, tem que se ser, e para isso ter prática e pensamento ancorados em investigação.
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