Li e lembrei-me de Sá de Miranda,
"M'espanto às vezes, outras m'avergonho". O Primeiro-ministro afirmou hoje
em Paris, "ninguém aconselhou os portugueses a emigrarem" por
coincidência no dia que se divulgou que cerca de 44 000 portugueses emigraram
em 2011 e a Secretaria de Estado estima que em 2012 o número será superior a
100 000, na maioria jovens.
Como o Público sublinha, quer
Passos Coelho, quer Miguel Relvas, fizeram referências explícitas de incentivo à
emigração. Lembrar-se-ão certamente do Primeiro-ministro aconselhar os
professores excedentários a "abandonarem a sua zona de conforto" e a
"procurarem emprego noutro sítio, "Em Angola e não só. O Brasil tem
também uma grande necessidade ao nível do ensino básico e secundário”, disse
durante uma entrevista ao Correio da Manhã em 18/12/11. Face à reacção a
estas palavras, Paulo Rangel sugeria em 18/12/11 a criação de uma agência que
ajudasse os portugueses que querem emigrar. Também Miguel Relvas em 7/1/12 no Público
incentivou explicitamente os jovens qualificados a procurarem outros mundos tal
como noutras épocas de dificuldades "fomos à vida, à procura de outros
mundos".
Na verdade o despudor do discurso
político já não consegue espantar-se, mas ainda me envergonha e indigna. Nós ouvimos, lemos, temos memória
e esta gente sem espinha nem dignidade insulta-nos com a maior da ligeirezas e,
como sempre, não acontece nada.
Como já tenho escrito, não acho
estranha a existência de um movimento de emigração, somos um país de emigrantes. No entanto, para além do volume impressionante
dos últimos anos, parece preocupante constatarmos que durante muitos anos a
emigração se realizava na busca de melhores condições de vida mas actualmente a
emigração realiza-se à procura da própria vida, muita gente, sobretudo jovens,
muitos altamente qualificados, não tem
condições de vida, tem nada e parte à procura, não de melhor, mas de qualquer
coisa.
Este vazio que aqui se sente é angustiante,
sobretudo para quem está começar, se sente qualificado e com o desejo de
construção de um projecto de vida viável e bem sucedido.
Alguns inquéritos junto de estudantes
universitários mostram como muitos, a maioria, admite emigrar em busca de
melhores condições de realização pessoal e profissional apesar de muitos
afirmarem que pretendem voltar.
Parece-me relativamente claro, insisto, que
quando se fala de emigração, a questão central nesta matéria não é o movimento
que desde há muito os portugueses realizam de procurar trabalho fora do país,
trata-se também da construção de um projecto de vida auto-determinado. Sabemos,
aliás, que é desejável em diferentes perspectivas, que estes fluxos se
realizem.
O que me parece fortemente significativo é o que
representa de descrença de tanta gente, de que seja possível desenvolver um
projecto de vida viável e com potencial de realização pessoal e profissional no
nosso país.
Seria sobre este cenário que se
esperaria que um Primeiro-ministro tivesse algo a dizer e não uma
desavergonhada afirmação desmentida pela memória e pelos registos.
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