Não me quero intrometer no novo ofício de
politólogo, os profissionais que estudam e analisam a ciência política, mas na
qualidade de cidadão minimamente atento ao que nos rodeia, umas notas sobre um
fenómeno que me parece interessante e curioso, as remodelações.
Sempre que os governos, independentemente da sua
natureza partidária, começam a sofrer alguma contestação, natural, devida, por
um lado às opções políticas demonstradas e por outro lado à incessante luta
entre quem tem o poder e quem a ele aspira, surgem referências e cenários sobre
remodelação, numa espécie de relação mágica, se as caras mudarem a realidade
também muda. Sempre assim foi, sempre assim será, se não se alterarem os
modelos e culturas de organização política, sendo que os efeitos são habitualmente
pouco consistentes porque o acessório raramente substitui o essencial.
Os tempos que atravessamos não fogem a este
processo. Têm sido insistentes as vozes, mesmo de entre os partidos integrantes
da coligação, que reclamam pela remodelação com a curiosidade semântica de
alguns lhe chamarem "refrescamento", o que não deixa de ser
interessante. Aliás, os discursos já se direccionam mais para o calendário e
oportunidade da remodelação que para a sua inevitabilidade que é dada por
adquirida.
No entanto, creio que os últimos tempos nos
obrigam a pensar e a exigir mais do que uma remodelação, um refrescamento que
parece agora ir acontecer. A questão de fundo não é a composição o Governo, é a
mudança nas suas políticas.
O Governo tem feito, todos o fazem, a defesa das
suas opções políticas, com a única alternativa possível e séria. A utilização
deste argumento, intimidatório, é velha, tem uma longa tradição, ou é assim ou
é o caos. Pretende criar e induzir o medo e a convicção de que não existe
qualquer outro rumo que não o por si traçado.
Como bem escrevia há tempos no Público o
insuspeito Pacheco Pereira, no início do seu mandato o Governo, dadas as
circunstâncias em que o país estava, encontrou um clima adequado para que as
suas políticas fossem entendidas como o único caminho. Muitos dos portugueses
interiorizaram a necessidade de sacrifícios e austeridade, numa perspectiva
transitória e que devolvesse o equilíbrio perdido. O que tem acontecido é
conhecido, têm vindo a ser produzidos sucessivos pacotes de austeridade e
sacrifício que resultam em desemprego, exclusão, recessão, cortes fortíssimos
em áreas chave com saúde, educação e segurança social e com uma percepção cada
vez mais nítida e indesmentível de que são pacotes profundamente injustos,
desiguais, massacrando sobretudo rendimentos do trabalho ou de pensões e
reformas, o consumo, que penaliza os mais baixos rendimentos e deixando de fora
rendimentos muito altos de outra natureza, aceitando incompreensíveis e
sucessivas excepções aos sacrifícios e mantendo mordomias e despesa pública
inaceitáveis.
Neste quadro de sofrimento e descontentamento ao
Governo já não lhe basta remodelar, refrescar caras e ideias, como lhe chamou o
incontornável Marques Mendes, o Governo tem mesmo de encarar as alternativas,
ou seja, outras caras, com outras palavras para realizar as mesmas obras é o
fim, ou melhor, o princípio do fim.
Existem alternativas, sabemos todos que existem
alternativas, que são exequíveis, que são respeitadoras dos compromissos
internacionais e da necessidade de equilíbrios orçamentais mas sobretudo, é
essa a questão essencial, respeitadoras da dignidade das pessoas.
Não acredito que o Governo, este Governo,
considere eventuais alternativas, o seu discurso e praxis não autorizam que se
pense em mudança significativa, pelo que uma "simples" remodelação
será, como já referi, o princípio do fim, do Governo ou da nossa capacidade de
aceitação do inaceitável.
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