É difícil ficar imune às sucessivas notícias
sobre os problemas que atravessamos pelo que com muita frequência aqui retomo algumas
questões. Eu sei que não adianta falar muito delas porque não se resolvem
assim, mas também penso que não é fácil não as abordarmos, por isso, insisto.
Dados de hoje do IEFP referem que no espaço de um
ano, até Novembro, duplicou o número de casais desempregados, mais de 11 000. O
desemprego é, reconhecidamente, o mais devastador efeito das dificuldades que
atravessamos.
Há alguns dias a imprensa referia a existência de
483 000 pessoas desempregadas há mais de um ano. Esta tragédia envolve
sobretudo pessoas de meia idade e muitos jovens e as referências acentuam as
dificuldades e falta de confiança das pessoas na alteração na situação.
Em Outubro e segundo dados da Segurança Social
existiam cerca de 375 000 pessoas com subsídio de desemprego, menos de metade
dos 870 000 desempregados registados no INE, uma taxa de 15.8 %, embora o
EUROSTAT indicasse para o mesmo mês uma taxa de 16.3 % de desemprego o que
agudiza a situação. Por outro lado, existem cerca de 285 000 pessoas com o RSI,
número que tem vindo a baixar regularmente.
Recordo ainda que há poucas semanas, com base nos
dados disponíveis do INE e da Segurança Social, cerca de 465 000 desempregados,
56 %, não tinham protecção social há nove meses. Este número, que na realidade
será mais alto, é absolutamente devastador e dramático, representando o mais
alto valor alguma vez atingido de pessoas em situação de desprotecção social.
O problema vai, provavelmente agravar-se, como os ajustamentos, por assim dizer, que se têm vindo a fazer e irão continuar em matéria de apoios sociais. Mesmo entre pessoas com
trabalho, dados do INE, hoje citados no DN, referem que são já mais de 155 000 o
número de portugueses que recebem menos e 310 € de salário líquido e um terço
dos trabalhadores "leva para casa" menos de 600 €.
Há tempos foram divulgados alguns dados referindo
que cerca de 200 000 pessoas já terão desistido de procurar emprego, não
constando sequer dos números do desemprego. Este quadro impressionante levanta
uma terrível e angustiante questão. Os milhares, muitos, de pessoas envolvidas
vão (sobre)viver de quê?
Sendo de esperar a continuação de um período
recessivo e, portanto, sem crescimento, torna-se impossível criar a riqueza
necessária e redistribuí-la de forma socialmente mais justa para minimizar esta
tragédia.
É certo que em Portugal a chamada economia
paralela corresponde a cerca de 25% do PIB e muita gente e muitas actividades
estão envolvidas neste universo, de qualquer forma o potencial impacto social
destes números é, no mínimo, inquietante.
Afirmo com frequência que uma das consequências
menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em
particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o
subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica
oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das
pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a
que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma
questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a
discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também
não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que mais de dois
milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e
políticas que não se vislumbra. Na verdade, apesar da retórica oficial de que
existe justiça social nas medidas de austeridade, o que é verdadeiramente
insustentável é que as políticas assumidas, por escolha de quem decide, estão a
aumentar as assimetrias sociais, a produzir mais exclusão e pobreza. Mais
preocupante a insensibilidade da persistência neste caminho.
Quando nos dizem que não há alternativa, é
interessante registar que alguns analistas, incluindo ironicamente o próprio
FMI, atribuem a rápida recuperação da Islândia à manutenção do estado social e
dos apoios sociais, ou seja, privilegiou-se as pessoas e não os mercados, a
banca, o contrário do diktat que nos é imposto.
A pobreza e a exclusão deveriam envergonhar-nos a
todos, a começar por quem lidera, representam o maior falhanço das sociedades
actuais.
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