Dado que continua na agenda, retomo o caso da
decisão do Tribunal de Sintra de retirar a uma família sete dos dez filhos no
sentido de que possam entrar em processo de adopção.
A decisão do tribunal foi sustentada pelas
dificuldades económicas da família e pelo não cumprimento de algumas das
medidas previstas no processo de protecção de menores que envolve esta família.
Parece relevante acentuar que não existem relatos
de maus tratos e que uma das medidas impostas no acordo e não cumpridas pela
família, seria a prova por parte da mãe de que estaria em apoio hospitalar para
laqueação das trompas. O tribunal sublinha que a mulher persiste na rejeição de
tal intervenção.
Como é evidente e creio que deve ser sublinhado, a
comunidade, através das diferentes entidades e instituições que intervêm neste
universo, tem a obrigação de proteger as crianças de negligência e maus tratos,
nenhuma dúvida sobre isso, trata-se do superior interesse da criança, tantas
vezes esquecido. Quero dizer com isto que não discuto, não tenho informação
suficiente, a bondade da retirada das crianças à família, embora entenda, como
a generalidade das pessoas, que esta deva ser sempre uma medida de fim de linha
a que se recorre depois do insucesso de outras abordagens.
O que me parece absolutamente inaceitável é a aparente
imposição da esterilização da mãe. Confesso que muitos dos comentários entretanto
produzidos sobre esta situação me deixaram perplexo e preocupado, mais
preocupado.
Do meu ponto de vista seria aceitável um processo
de aconselhamento no sentido de evitar novas gravidezes dadas as difíceis
circunstâncias de vida da família. Julgo que a parentalidade é de uma enorme
responsabilidade e, portanto, ser objecto de decisões também elas responsáveis,
no entanto, a comunidade não pode ultrapassar limites éticos e morais mesmo que
pretenda um objectivo aceitável, não pode valer tudo. Neste sentido, registo a
posição do presidente do Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida que considerou a decisão do Tribunal um “absurdo impensável”.
Não sei se a aparente imposição da laqueação das
trompas poderá ter implicações legais, mas num plano ético e moral parece-me,
na verdade, absolutamente inaceitável e atentatório de direitos individuais.
Como disse, há alguns anos atrás confrontei-me
com uma situação semelhante, em que uma mulher a quem se aconselhava a
laqueação das trompas por fazer gravidezes sucessivas de crianças com
deficiência a ter recusado por razões de natureza cultural. Foi muito difícil
encontrar um equilíbrio numa situação complexa e que protegesse os interesses
das pessoas envolvidas ou que poderiam vir a estar envolvidas com novas
gravidezes.
Não são situações fáceis, são mesmo muito
complexas, entendo que devemos ter alguma cautela nos juízos de valor sobre
todas as pessoas que de alguma forma estão comprometidas com a situação agora
conhecida, mas à comunidade é exigido o respeito por um conjunto de princípios
que regule procedimentos.
Sendo a comunidade a hipotecar princípios éticos
entramos numa arriscada deriva discricionária que pode ter efeitos imprevisíveis.
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