A Misericórdia de Lisboa está montar uma operação
para tentar identificar a população sem abrigo nas ruas de Lisboa. Na verdade,
segundo afirmações recorrentes não é conhecido ao certo o número de pessoas que
em Lisboa (sobre)vivem nesta condição.
Em Maio, a Vereadora do Desenvolvimento Social da
Câmara de Lisboa, Helena Roseta, afirmava que a população sem abrigo em Lisboa
"está a aumentar", estimando-a em 2.000 pessoas.
"Está a verificar-se um aumento
significativo da população sem abrigo, por razões de desorganização das suas
vidas. Não tem só a ver com habitação, mas também por desemprego, problemas
familiares, adições, tudo misturado. Cada vez mais, mesmo por penúria económica,
incapacidade de pagar, e algumas pessoas fazem parte de uma pobreza
envergonhada", disse na altura.
Também algum tempo antes, a Directora da Acção
Social da Misericórdia de Lisboa afirmava que o perfil das pessoas sem abrigo
em Lisboa se tem vindo a alterar envolvendo pessoas mais jovens e sem problemas
de saúde mental ou toxicodependência, surgindo com progressiva frequência
casais ou famílias. Devido à reserva dos próprios e à instabilidade da sua luta
pela sobrevivência é difícil ter uma estimativa realista do número de pessoas
nesta situação. Aliás, essa dificuldade já se tinha feito sentir com a
realização dos Censos de 2011 cujo apuramento, peca, de acordo com as
instituições, por defeito.
Esta gente que vai caindo na rua não teve tempo
de se entusiasmar com a expectativa do regresso aos mercados e mostra de forma
muito evidente as suas características de resistência e os limites, o melhor
povo do mundo é assim, dando suporte ao modelo de Fernando Ulrich e tornando-se
alguns dos mais bem preparados cidadãos para os tempos que atravessamos, vivem
do nada.
Na verdade, não têm nada, aguentam tudo e só são
notícia quando chegam as vagas de frio ou quando aparecem gratos e contentes
naqueles jantares oferecidos no Natal que quase sempre compõem indecorosos
espectáculos mediáticos.
Continuam os tempos de chumbo, os tempos da
indignidade.
Por outro lado e voltando à dificuldade em
contabilizar o universo dos sem abrigo, apesar da tentativa de rigor e
empenhamento dos procedimentos, essa dificuldade decorre de várias razões como
há algum tempo escrevi.
São muitos, os sem abrigo num porto que os
acolha, uma casa, um espaço a que possam dar vida e que lhes apoie a vida, uma
família.
São muitos, os sem abrigo, mesmo em famílias e em
instituições.
São muitos, os sem abrigo no afecto, nos afectos,
sem um coração que os abrigue.
São muitos, os sem abrigo em mundos que não são
seus. São muitos, os sem abrigo em culturas que não entendem.
São muitos, os sem abrigo num corpo que seja
aconchego para o seu corpo.
São muitos, os sem abrigo em valores que
predominam mas não reconhecem.
São muitos, os sem abrigo em vidas que lhes não
pertencem mas carregam. São muitos, os sem abrigo no aceder e no gostar das
coisas de que a vida também se tece.
Muitos destes sem abrigo vivem à nossa beira, sem
abrigo, não contabilizados, nem contabilizáveis.
Sem comentários:
Enviar um comentário