quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

OS CARTEIROS

No Público de hoje e a propósito da privatização dos CTT, do meu ponto de vista mais uma má decisão, aborda-se  a sua história e o enraizamento desta instituição de séculos na história, na cultura e na vivência dos portugueses. Este enraizamento é patente nas manifestações das pessoas a propósito do encerramento de muitas estações  que em muitas terras são um serviço insubstituível para populações envelhecidas e com graves problemas económicos e de mobilidade. O encerramento a que temos vindo a assistir mais não é do que um baixar de custos para que os eventuais compradores possam realizar um bom negócio e prestar posteriormente um pior serviço. Nada de novo, portanto, mas a ver vamos.
Neste contexto, a ligação dos CTT com as pessoas, gostava de recuperar umas notas que já por aqui tinha colocado.
Em primeiro lugar recordo que há algum tempo um estudo realizado em Portugal sobre os níveis de confiança dos portugueses em diferentes classes profissionais, mostrava que bombeiros, professores e carteiros são os profissionais em quem os portugueses mais parecem confiar. Na altura da divulgação achei interessante a confiança expressa por nós em quem cuida do nosso bem-estar e ajuda em caso de necessidade, os bombeiros, em quem nos constrói o futuro, os professores, cuidando do nosso mais precioso bem, os filhos, e em quem nos traz as notícias do mundo, os carteiros, provavelmente, com a secreta esperança de que sejam sempre boas notícias. Mas mesmo quando portadores de más notícias, o mensageiro merece confiança.
As cartas e postais de natureza pessoal, lamentavelmente em vias de extinção, são bastante mais inteligentes, ainda que mais lentas, que os e-mails, não estão sujeitas a infecções virais, a "forwards" tontos e impessoais e à complementar praga de "junke" e-mail. São os carteiros que as trazem e que, em muitos locais, mais do que imaginamos quando vivemos em zonas urbanas, conhecem os destinatários e prestam um serviço que significa bem mais do que a entrega de correspondência.
Ainda me lembro com alguma saudade do Sr. Gonçalves, o carteiro da minha zona quando eu era adolescente. O Sr. Gonçalves que já partiu há alguns anos, era um homem de grandes bigodes, forte, tinha que o ser para transportar aquele enorme saco de cabedal castanho, e amigo da gente nova. Era uma figura.
Vou partilhar um segredo convosco, mas peço que mantenham a devida reserva. Durante algum tempo, o Sr. Gonçalves e eu tivemos um acordo. Ele mostrava-me os postais que vinham do liceu dirigidos ao meu pai com as notas e as faltas e eu, quando o encontrava à tarde de vez em quando, pagava-lhe uma cerveja na tasca do meu tio. Já vos tenho dito que não fui um aluno brilhante, longe disso, no que respeita ao comportamento, é melhor nem falar. A cumplicidade com o Sr. Gonçalves no sentido de, por amor filial que compreenderão, proteger o meu pai de notícias menos agradáveis, era conseguida, eu acho, porque ele, no fundo, acreditaria que talvez eu não fosse um caso perdido. E não era, ele entendia de miúdos.
E eu gostava do carteiro, do Sr. Gonçalves.

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