Um cidadão que por duas vezes interrompeu o
Primeiro-ministro no Parlamento foi constituído arguido pelos crimes de coação
contra órgãos constitucionais e perturbação do funcionamento de órgão
constitucional. O malfeitor sustenta que a sua interrupção se destinava a
chamar a atenção para as políticas em curso.
Episódios desta natureza vão-se sucedendo. Recordo a
situação que envolveu Miguel Sousa Tavares que baptizou o Presidente da
República de "palhaço" o que motivou um pedido de inquérito à PGR
cujo despacho ou andamento desconheço, tivemos o episódio de um cidadão de
Elvas que enviou um recado também a Cavaco Silva no sentido de o mandar
"trabalhar" e ainda, de acordo com os seguranças mas negado pelo
cidadão, ter-lhe-á chamado "chulo" e "malandro". Claro que
o cidadão foi detido e condenado rapidamente, como se sabe em Portugal a
justiça é célere, a uma multa de 1300€.
Mais recentemente e em sentido contrário, o Tribunal da Relação do Porto, um
tribunal que nos tem habituado a decisões bizarras e incompreensíveis, entendeu
que expressões como “abaixo estes ladrões” ou “incompetentes” dirigidas por um
contribuinte a um serviço de finanças não podem ser consideradas um “crime de
ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva”. A decisão do Tribunal
responde a um recurso do cidadão que tinha sido condenado a multa por ofensa.
Como é evidente, o respeito e a dignidade das funções das
pessoas não podem ser atropelados por um entendimento excessivamente elástico
da liberdade de expressão. Na verdade e como todos reconhecemos, chamar
palhaço, chulo e malandro, ladrões ou incompetentes é em Portugal uma raríssima
e particularmente grave forma de insulto, tanto que a maioria de nós nunca a
usa por pudor e vergonha de proferir tal enormidade. Também no Parlamento,
interromper alguém e ouvir discursos ou assistir a comportamentos inadequados à
nobreza da instituição á algo de inédito e muito raro.
Acho sempre curioso o alarido que situações como estas
levantam pois, apesar de nada querer branquear, as "ofensas" desta
natureza são extraordinariamente frequentes na nossa vida política e não só.
Parece-me uma enorme ofensa à honra e dignidade afirmar que
temos de empobrecer coagindo por esta crença três milhões de portugueses a
viverem em risco de pobreza e exclusão o que me parece também constituir crime
de coacção.
Por outro lado, a insensível e insensata persistência em
políticas de austeridade cegas tem provocado um atropelo dos direitos das
pessoas, o que me parece poder configurar crime de perturbação da dignidade e
do normal funcionamento dos direitos constitucionais.
Parece-me uma enorme ofensa à ética e à equidade as
despudoradas mordomias e salários que alguns arautos dos sacrifícios e da
austeridade usufruem.
Parece-me também uma enorme ofensa, afirmar que o
desemprego é uma janela de oportunidade num país com um milhão de
desempregados, mais de metade sem subsídio e com perto de 40% dos jovens sem
trabalho.
Muitos velhos que conheço e que têm pensões e reformas
miseráveis sentiram-se ofendidos quando o Presidente da Republica afirmou
que os milhares de euros de reforma de que disporá não lhe chegarão para as
despesas pessoais.
Enfim, o que mais existem são exemplos de como as palavras e
comportamentos que por aí se soltam podem ofender.
Do meu ponto de vista, este tipo de situações e tratamento
que lhes é dado, referências aos "palhaços", "malandros",
"chulos", "incompetentes" ou "ladrões",
"chulos" e o "vai trabalhar", tal como este “crime” de
interrupção do Primeiro-ministro, mais não fazem do que justificar a mais comum
das referências da linguagem corrente, a "palhaçada" que tudo isto
representa e que, como sempre, tem palhaços ricos e palhaços pobres.
Siga, pois, o circo. Na falta do pão.
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