Foram conhecidos dados da Unidade de Informação de
Investigação Criminal, da Polícia Judiciária, relativos a 2012 sobre os abusos
sexuais sobre menores, uma matéria que permanece na agenda. Em síntese, durante o último ano foram abertos 1800 inquéritos por
crimes sexuais contra menores, cerca de cinco por cada dia.
Nestes crimes e de acordo com a investigação, em 44% dos casos de abuso sexual de crianças,
agressor e vítima são familiares, em 22% são conhecidos e em 34% existem "outros
relacionamentos". Nos casos que envolvem menores, 46% são relativos a "outros
relacionamentos".
Estes dados atestam a regularidade impressionante
com que são revelados casos de abusos sexuais sobre crianças e adolescentes, a
maioria em situações envolvendo familiares ou amigos da famílias e também
instituições que lidam com as menores como é o caso recente de instituições de
natureza religiosa.
É consensual o entendimento de que a
"explosão" do chamado caso Casa Pia colocou uma luz mais forte sobre
este universo negro, os abusos sexuais sobre crianças, pelo que a comunidade
parece ter ficado mais atenta o que é, aliás, salientado pelo Juiz-conselheiro
Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e
Jovens em Risco. A prova desta maior atenção pode encontrar-se no facto de
desde o início do processo em 2002 e até 2009, ter triplicado o volume de
denúncias. No entanto, as pessoas que conhecem este tipo de problemáticas sabem
que o volume de denúncias é apenas uma parte das situações de abuso.
Esta circunstância decorre de um aspecto que me
parece fundamental não esquecer, nunca e que os dados agora divulgados
sublinham de forma muito nítida. A maioria dos abusos sexuais sobre crianças
ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em instituições
que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais
atentas e eficazes na prevenção de abusos embora, como foi o caso do Seminário
do Fundão, continuem a acontecer.
Apesar das mudanças verificadas em termos legais
e processuais, a fragilidade ainda verificada, na criação de uma verdadeira
cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas
de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de
posse e usufruto quase medieval. Muitas crianças em situação de abuso no
universo familiar ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família ou
amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes
façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas bem como das
consequências para si próprias, uma vez que se sentem quase sempre abandonadas
e sem interlocutores em que possam confiar.
A este cenário acrescem os riscos que as novas
tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a
internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro continua a ser absolutamente
necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da
saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de
que algo se passa com eles.
Esta atitude de permanente, informada e
intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do meu ponto
de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos.
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