Apesar com bastante frequência aqui me ter
referido à questão dos exames do 4º ano e no dia que se realiza o de Português
é impossível não retomar esta matéria, uma espécie de poção mágica na qual
radica a melhoria da qualidade do trabalho educativo de alunos e professores no
entendimento de Nuno Crato. Assim, recupero algumas notas por aqui já deixadas.
O MEC estabeleceu que os alunos do 4º ano, que
vão realizar pela primeira vez exames obrigatórios e nacionais, sejam
concentrados tanto quanto possível nas sedes dos agrupamentos. Esclarece
posteriormente que também os alunos dos estabelecimentos do ensino privado que
apenas leccionem 1º ciclo terão que remeter os seus alunos para outras escolas
embora nos estabelecimentos com outros níveis de ensino os alunos o realizem aí
num estranho entendimento de equidade.
Como o MEC tem uma relação profundamente
desconfiada com os professores, uma malandragem em quem não se pode confiar, os
exames do 1º ciclo só podem ser vigiados por professores que não leccionem este
ciclo e que, não vá algum ceder à fraqueza de ajudar as criancinhas, também não
pertençam aos grupos de Português ou Matemática. Talvez isto seja exagero, mas
esta decisão deveria envergonhar um Ministro, ainda por cima, da Educação.
A razão desta deslocalização será, obviamente, de
natureza logística, fica bastante mais fácil e barato para além, como referi,
de expressarem uma desconfiança abusiva e generalizada sobre a solidez ética e
deontológica da classe. Se os exames e os procedimentos são justificados do
ponto de vista dos miúdos e dos benefícios globais é uma outra questão, o que
importa são os exames e a poupança.
Os representantes dos pais têm referido a
existência de um risco de ansiedade acrescida por parte dos miúdos devido à
mudança, a realização do exame numa escola diferente, para além dos impactos
que para as famílias tem o facto de muitos alunos das escolas em que se
realizam os exames não poderem frequentá-las nesse dia como vários directores
têm vindo a alertar o MEC. Pelo meio ainda tivemos a delirante referência à
declaração a assinar pelos miúdos na qual se comprometem a “não ter na sua
posse telemóvel ou outro material não autorizado” durante a realização da
prova.
Do meu ponto de vista, esta questão da potencial
ansiedade dos miúdos, sendo importante não é uma questão essencial embora
mereça discussão, evidentemente, os miúdos estão habituados a realizar tarefas
escolares de avaliação de conhecimentos. O que pode ser gerador de ansiedade em
alguns miúdos é o discurso de muitos adultos, pais ou professores, e a
pressão criada por esses discursos. As consequências de tudo a isto
traduzem-se, por exemplo, numa corrida, dos que podem, obviamente, aos centros
de explicações como a imprensa tem vindo a referir.
A questão central radica, peço desculpa pela
insistência, no papel e função de exames nacionais obrigatórios e com peso no
trajecto dos alunos ao 4º ano de escolaridade, situação que não se verifica em boa parte dos países com
bons resultados escolares, apenas dois os realizam nos termos em que
acontecem em Portugal.
Não estando, evidentemente, em discussão a
importância, a vários níveis dos exames, escapa-me como o seu aumento produza,
só por si, qualidade e mudança. Os discursos que oiço na defesa dos exames não
explicitam ganhos de que aí advirão em termos de qualidade que não fossem
atingidos por mecanismos como as provas de aferição já existentes.
A introdução dos exames como panaceia da
qualidade promove, do meu ponto de vista, o risco do trabalho escolar se
organizar centrado na preparação dos alunos para a multiplicidade de exames que
realizam como muitos professores têm vindo a alertar e é reconhecido, por
exemplo pela OCDE em relatório de há uns meses sobre a avaliação no sistema
educativo português. Curiosamente e sem estranheza, as posições da OCDE são
usadas ao sabor da agenda. Aliás, deve lembrar-se os progressos registados nos
últimos anos pelos alunos portugueses nos estudos comparativos internacionais.
Como tantas vezes afirmo, a qualidade promove-se,
é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das
aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos
professores, com a definição de currículos adequados e de vias diferenciadas de
percurso educativo para os alunos sempre com a finalidade de promover
qualificação profissional, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos
e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas
que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de
organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto
e médio prazo, etc. O problema é que de há muitos anos a educação anda à deriva
das agendas políticas.
A existência de exames nacionais, logo no 4º e 6º
anos, obrigatórios e com peso na nota final, corre o risco de sustentar um
discurso demagógico, as referências a exigência e a rigor vendem bem, que deixa
de lado os aspectos mais essenciais, a necessidade de promover qualificação
para todos, sublinho todos, os alunos e, insisto, a disponibilização de apoios
a alunos e professores.
Nesta perspectiva, continuo pouco convencido da
imprescindibilidade destes exames, assim estruturados, seja qual for a escola
em que se realizem.
2 comentários:
Na mouche :)
Senhor Professor Dr. José Morgado,
Assunto: "psicólogos entediados e chorosos", Francisco José Viegas, Escritor
Não posso, enquanto psicólogo escolar, de reflectir sobre a afirmação em epígrafe, do ex-Secretário de Estado da Cultura, a propósito dos Exames Nacionais do 4º ano de escolaridade, publicada, no CM de hoje:
"Alguma imprensa não deixou de ouvir psicólogos entediados e chorosos, reclamando contra os exames em geral, porque são traumáticos." http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/opiniao/francisco-jose-viegas/blog004745957
A afirmação em epígrafe revela que: nós não somos entediados, mas sim co-responsabilizados pela política educativa; nós não somos chorosos, mas sim conscenciosos das consequências da política educativa.
Tal como o tem afirmado publicamente o senhor Professor Doutor Leandro de Almeida:
a) “não há sistemas educativos de qualidade sem avaliação das aprendizagens” mas "somos mais inovadores nas práticas e menos inovadores nas metodologias de avaliação": https://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=Kfe-5aNachg#t=213s;
b) "Estamos a viver, no presente, uma cultura marcada pela valorização excessiva dos exames e dos testes. Essa cultura não está só nos professores, está já nas famílias, está já na sociedade, e induz-nos para .... a tentativa da máxima objectividade. E como é que nós conseguimos a máxima objectividade? É indo para os produtos esquecendo-nos dos processos. E vamos introduzindo isso cada vez mais cedo na escolaridade, entrando em níveis muito básicos de aprendizagem, em que muitas vezes esses processos são muito importantes...A pretensa objectividade que os testes têm, de facto leva-nos a espartilhar e a segmentar muito (outras) competências e a centrarmo-nos nos produtos. (Professor Doutor Leandro Almeida) https://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=TVvR8gQHFdE# t=1272s'
Em conclusão considero que o aumento da frequência da avaliação das aprendizagens não impede que os psicólogos contribuam também para a melhoria das aprendizagens dos alunos, mediante, nomeadamente, a identificação do papel que a ansiedade tem nesses processos de aprendizagem.
Com os melhores cumprimentos. Correia Nunes
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