O Dr. Fernando Negrão, presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, defende que “os alunos não devem ter nenhum contacto com esta Constituição” pelo que rejeita uma proposta em discussão no Parlamento no sentido de obrigar a que a Constituição seja objecto de trabalho no 3º ciclo da escolaridade. Esclarece ainda o Dr. Negrão que é devido à carga ideológica do texto constitucional que este não deve ser trabalhado nas escolas.
Seria ridículo o discurso se não fosse perigoso o entendimento. Algumas notas telegráficas. O trabalho educativo realizado com os mais novos, em casa ou na escola, não é imune a valores, nada o é na actividade humana. Os valores informam o que o Dr. Negrão designa e, pelos vistos o inquieta, a carga ideológia também presente, naturalmente, num texto fundador. A verdade é que um texto fundador e estruturante da vida em comunidade não é, não pode ser, neutro do ponto de vista dos valores e, portanto, neutro em termos ideológicos, seja lá isso o que for.
O Dr. Negrão sabe muito bem, é jurista, que qualquer quadro normativo, não é asséptico, está impregnado de valores e também, embora ele não goste, de "ideologia". Tal não impede, antes pelo contrário exige, que os cidadãos estejam informados sobre a legislação que os regula e percebam os seus fundamentos no âmbito dos valores e, lamento afirmar, das ideologias.
Pretender que qualquer instrumento regulador da vida dos humanos, com o peso que um texto constitucional tem, não contemple um quadro de valores, portanto uma dimensão ideológica, é, por um lado, uma impossibilidade e, por outro lado e mais grave, confundir valores e ideologia com "discursos partidários" o que não sendo estranho em alguém com o peso e passado político do Dr. Negrão, sublinha o entendimento de que para muitos dos líderes políticos valores e ideologia só existem num quadro partidário e, por isso, não devem estar na Constituição, algo de insustentável mas que explica a tentativa conseguida de capturar através da partidocracia a participação cívica e o exercício da cidadania.
A questão, do meu ponto de vista, é justamente ao contrário. É um imperativo da cidadania e da saúde da democracia o conhecimento e discussão do texto constitucional de forma a envolver os cidadãos na coisa pública, no interesse comum. Este processo pode e deve começar com os mais novos.
A questão que na verdade me parece perigosa é que é justamente contra isto que o Dr. Negrão se manifesta, contra o conhecimento e discussão daquilo que nos rege, ele sabe que gente informada, conhecedora e crítica não se conforma tão facilmente com os ditados, por exemplo, com os ditados partidários que produzem o deprimente espectáculo a que frequentemente se assiste na Assembleia da República de ver a consciência de deputados "livres" presa na "disciplina partidária.
Vai mal a nossa democracia.
Uma nota final no sentido de sublinhar que nada do que escrevi obsta, antes pelo contrário, a que se discuta, reveja, actualize, simplifique o texto da Constituição. Os tempos e as circunstâncias mudam pelo que em todos as áreas as mudanças deverão ser consideradas.
1 comentário:
Uma revelação intrínsecamente não democrata, direi de cariz fascista suscita-me este manjerico Dr.Apagão!!!
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