A propósito de nova discussão no Parlamento e
porque é uma questão que continua em aberto, retomo a questão da
homoparentalidade, mais precisamente a adopção de crianças por casais de
homossexuais. O PS apresentará uma proposta possibilitando a adopção em algumas
situações e o BE defende que tal possa acontecer sem restrições. A Ordem dos
Advogados divulgou um parecer contra fundamentando na ideia de "família
natural" o que faz pressupor para a Ordem dos Advogados que numa situação
em que uma mãe jovem fique viúva e decida viver com a sua mãe, ficando assim a
sua filha ou filho a viver com duas mulheres, teremos uma família "não
natural" que, eventualmente, colocará a criança em risco. É fraco o
argumento.
Na verdade esta uma das matérias cuja abordagem e
discussão mais é contaminada por questões de valores e que estará em permanente
discussão.
Há alguns meses, foi referenciado por alguma
imprensa em Portugal uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que entendeu
que a Áustria violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem por não ter
permitido a adopção co-parental a um casal homossexual. Na sua decisão, o
Tribunal citou Portugal como um dos países com o mesmo entendimento que a
Áustria.
Parece-me de referir que o Tribunal Europeu considerou
que o Governo austríaco não apresentou provas sólidas de que seria “prejudicial
para uma criança ser adoptada por um casal homossexual ou ter legalmente duas
mães ou dois pais”.
Creio que algumas pessoas estarão lembradas da
discussão gerada quando também já algum tempo o Tribunal de Família e de
Menores do Barreiro decidiu a atribuir a guarda provisória de uma criança a um
casal homossexual. A decisão não configura a atribuição de responsabilidades
parentais e muito menos a adopção, possibilidade que foi apreciada e chumbada pelo
Parlamento português em Fevereiro do ano passado e que agora volta a ser
discutida. No entanto, na altura os termos da decisão do Tribunal do Barreiro
pareceram contribuir para um argumentário favorável à adopção, o que foi mais
uma peça para o debate que tem continuado sobre a homoparentalidade.
A questão da adopção por parte de casais
homossexuais é, com muita frequência, dirimida mais em torno dos valores que da
racionalidade da argumentação. Sem querer, nem sequer consigo, trazer nada de
novo para esta discussão, apenas retendo deixar algumas notas.
As três grandes preocupações ou obstáculos mais
frequentemente aduzidas para inibir a adopção por casais homossexuais são a
eventual dificuldade da criança em lidar com a sua orientação sexual, a
vulnerabilidade psicológica e o risco de problemas de comportamento e também o
risco acrescido de serem alvo de discriminação, por exemplo, em contextos
escolares.
Como foi afirmado há algum tempo numa conferência
realizada em Lisboa sobre a homoparentalidade, uma revisão de algumas dezenas
de estudos sobre este conjunto de razões realizada pela Associação Americana de
Psicologia, motivou uma resolução da Associação, em 2004, que não confirma
nenhuma destas preocupações o que também transpareceu em alguns testemunhos
expressos num trabalho que o Público realizou na altura. Parece ainda de
registar que em 2010, a Associação Americana de Psiquiatria afirmava "apoiar as iniciativas que
permitam a casais do mesmo sexo adoptar e co-educar crianças".
Neste sentido, podemos também lembrar que a
maioria das pessoas homossexuais terão sido educadas em famílias
heterossexuais, que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e
vulnerabilidade psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador
integrando situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem
múltiplos casos de crianças discriminadas por variadas razões em contexto
escolar o que não nos faz retirar, por princípio, as crianças da escola mas,
pelo contrário, combater a discriminação sejam quais forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma forma
propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a certeza mal
às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de
famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de quem delas
cuida, pais, mães ou educadores. Quando as crianças são bem tratadas e crescem
com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram
caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
O que as crianças quase sempre não sabem como
resolver é quando têm por perto adultos, heterossexuais ou homossexuais, que
não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam, etc. Isso é que
faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente
em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos
com um discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.
Parece bem mais importante defendê-las dos males
comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos olhos.
Sem comentários:
Enviar um comentário