Um choque frontal com uma côdea
de um belo pão do Meu Alentejo causou um estrago sério num dente que me levou
para a sala de espera de uma clínica.
As salas de espera, por exemplo,
em consultórios médicos, tal como os comentários nas páginas on-line dos
jornais, são ambientes muito interessantes no sentido perceber o clima, os
climas, em que vivemos.
A experiência de hoje é um
excelente exemplo.
Um sujeito, aparentemente homem da minha geração, casa dos cinquenta e
muitos, foi elaborando sem descanso um discurso que ia ganhando algumas
concordâncias expressas no abanar afirmativo de cabeça ou em alguns "é verdade" por parte da audiência.
A sua tese era de que quando vivíamos "numa ditadura" havia coisas mal feitas e más,
pois havia, mas agora, que vivemos "numa democracia" as coisas estão
mesmo mal e muitas mesmo pior.
O seu continuado exercício de
comparação entre a "ditadura" e a "democracia" ia sendo
ilustrado com aspectos como, cito de memória alguns, o desemprego que na
"ditadura" quase não havia e agora é o que se vê. Como não podia
deixar de ser referiu também a insegurança e a gatunagem que anda por aí.
Também citou os roubos nas pensões que agora estão a fazer e que no tempo da
"ditadura" não se faziam.
Claro que no fundo e por detrás de tudo, os problema são por causa deles, dos graúdos, que se enchem sempre, estão sempre bem e que antigamente
não era assim.
Julgo que não é difícil imaginar
outras referências que podem ser incluídas num discurso de tipo.
Confesso que apesar de querer
entender e contextualizar as apreciações do companheiro de espera, fiquei
deveras inquieto.
Não acho estranho que os mais
velhos, eu também o faço, recuperem memórias que tendem a sobrevalorizar face
ao que actualmente se passa, consigo, com a vida, com os outros, com os sonhos,
enfim com tudo o que enche a nossa narrativa, como agora se diz. Fazemos estas
viagens nostálgicas e muitas vezes elas servem de abrigo para os efeitos da
passagem dos anos ou mesmo para nos ajudar a liar com o que agora vivemos. É o
que eu chamo a nostalgia boa, uma viagem tranquila ao passado com um regresso
ao presente que não nos deixa ansiosos, inquietos, desesperados por aquilo que
já não temos e já não voltaremos a ter, seja o que for, um corpo, um afecto,
uma experiência, uma viagem, um trabalho, ... ou apenas uma lembrança difusa de algo que está arrumado e deixou uma memória boa.
O que me incomodou foi esta
nostalgia má, esta nostalgia por tempos carregados por coisas diferentes mas
também, sublinho também, de chumbo e que parecem ser encarados como tempos a
que deveríamos voltar para ficarmos melhor.
Chamaram-me para ir tratar do
dente acidentado mas levava também a cabeça a precisar de amanho, como se diz
lá no meu Alentejo.
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