Há umas semanas quando foi colocado em discussão
um novo Programa de Matemática, o Ministro Nuno Crato sustentou a iniciativa com
a “grande liberdade metodológica aos professores”, para ensinarem de acordo com
“a sua experiência, as suas técnicas e a sua sala de aula” face a um programa
moderno e com "objectivos mais facilmente perceptíveis". O Ministro
insistiu que "a ideia foi sempre dar esta liberdade metodológica”, para
que cada docente fique livre de definir o seu próprio método de ensino dos
diversos conceitos. Muito bem. Confesso que me pareceu, escrevi na altura, um
pouco estranha a afirmação, como se as opções didácticas e pedagógicas de
profissionais cientificamente preparados fossem determinadas pelo Ministério,
algo que até no plano ético e deontológico é discutível. Ainda assim e à
cautela, fica bem agradecer ao MEC a "liberdade" concedida aos
professores.
Voltando às metodologias, no Documento em
discussão, no seu ponto 6 lê-se "Tendo em consideração, tal como para os
níveis de desempenho, as circunstâncias de ensino (de modo muito particular, as
características das turmas e dos alunos), as escolas e os professores devem
decidir quais as metodologias e os recursos mais adequados para auxiliar os
seus alunos a alcançar os desempenhos definidos nas Metas Curriculares.
A experiência acumulada dos professores e das
escolas é um elemento fundamental no sucesso de qualquer projeto educativo, não
se pretendendo, por isso, espartilhar e diminuir a sua liberdade pedagógica nem
condicionar a sua prática letiva. Pelo contrário, o presente Programa reconhece
e valoriza a autonomia dos professores e das escolas, não impondo portanto
metodologias específicas.
Sem constituir ingerência no trabalho das escolas
e dos professores, nota-se que a aprendizagem matemática é estruturada em
patamares de crescente complexidade, pelo que na prática letiva deverá ter-se
em atenção a progressão dos alunos, sendo muito importante proceder-se a
revisões frequentes de passos anteriores com vista à sua consolidação."
Segue-se a orientação para que não se use a calculadora.
Registe-se de novo a enorme preocupação com a
liberdade metodológica dos professores e um texto que ... não diz nada, ou
seja, um bom exemplo do que o Ministro Crato designava por eduquês.
O que continuo com uma enorme dificuldade em
entender é como é que esta retórica sobre "liberdade metodológica",
"características das turmas e dos alunos", "autonomia dos
professores e das escolas, "revisões frequentes", etc., se torna
compatível com um definição de metas curriculares que para Português e
Matemática no 1º ciclo correspondem a 177 objectivos e 703 descritores que
estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da
parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos
descritores”. Acontece ainda que, de uma forma geral e decorrente da agregação
de escolas os professores trabalharão com turmas lotadas, 24 alunos.
O ensino tenderá a transformar-se na gestão de
uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a
impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus
ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames
todos os anos. Por outro lado, como também já escrevi, a lógica de elaboração
das metas curriculares remete para uma lógica de ano de escolaridade e não de
ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja, os objectivos são definidos para o
ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao MEC, acontecem
exactamente no final de ciclo.
Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos
anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está longe de acontecer, devo
confessar que estou apreensivo tal como os autores do Programa de Matemática
que estava em vigor, a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação
Matemática e a Associação Nacional dos Professores de Matemática que hoje volta
a manifestar a sua fortíssima crítica ao novo programa de Matemática, alertando
para o risco de retrocesso nos resultados positivos que os últimos dados dos
estudos comparativos internacionais demonstraram utilizando um programa que
estava agora a terminar a sua fase de generalização e era de 2007.
Também a Sociedade Portuguesa de Matemática
(SPM), afirmou que só se justificaria a revogação do programa de Matemática se
"nesta altura, se tiver sido detectada alguma impossibilidade legal de
aplicar as metas curriculares no próximo ano lectivo”, o que não parece
verificar-se produzindo-se assim uma desnecessária turbulência.
Mas como é habitual a infalibilidade e a
arrogante genialidade do MEC que escondem a ignorância e uma agenda ideológica,
embrulhadas em palavras como rigor, exigência continuam a sua trajectória, vão
correndo com os professores e irão correndo com os alunos para as fábricas logo
de bem cedo. Restará o pequeno grupo que constituirá a elite e assim se
cumprirá a visão de escola desta gente.
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