Com alguma surpresa e por uma diferença de cinco
votos o Parlamento aprovou a proposta do PS no sentido de possibilitar em
algumas situações a adopção de crianças por casais de homossexuais o que apesar
de não permitira a adopção sem restrições não deixa de mostrar alguma mudança
no quadro parlamentar e que se regista.
A questão da homoparentalidade não vai ficar
encerrada, dificilmente matérias fortemente contaminadas pelos valores o ficam,
independentemente dos quadros normativos que se vão construindo. Assim sendo,
creio que valerá sempre a pena sublinhar alguns aspectos neste universo e que
com frequência refiro.
Para além dos discursos anónimos ou identificados, mais ou menos
equilibrados, mais ou menos boçais, mais ou menos ignorantes, mais ou menos
sofisticados e assentes, aparentemente, em ciência ficarão sempre os valores e
a forma como se olha o mundo.
Se estão recordados, há poucos dias a Ordem dos
Advogados divulgou um parecer contra fundamentando na ideia de "família
natural" o que faz pressupor para a Ordem dos Advogados que numa situação
em que uma mãe jovem fique viúva e decida viver com a sua mãe, ficando assim a
sua filha ou filho a viver com duas mulheres, teremos uma família "não
natural" que, eventualmente, colocará a criança em risco. É fraco o
argumento que aliás motivou uma tomada de posição de alguns advogados pouco
confortáveis com a pobreza da argumentação e posição da Ordem.
Há alguns meses, foi referenciado por alguma
imprensa em Portugal uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que
entendeu que a Áustria violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem por
não ter permitido a adopção co-parental a um casal homossexual. Na sua decisão,
o Tribunal citou Portugal como um dos países com o mesmo entendimento que a
Áustria.
Parece-me de referir que o Tribunal Europeu considerou
que o Governo austríaco não apresentou provas sólidas de que seria “prejudicial
para uma criança ser adoptada por um casal homossexual ou ter legalmente duas
mães ou dois pais”.
Vale a pena retomar o argumentário contra a
adopção e que se organiza em torno de três grandes ideias, e que são a eventual
dificuldade da criança em lidar com a sua orientação sexual, a vulnerabilidade
psicológica e o risco de problemas de comportamento e também o risco acrescido
de serem alvo de discriminação, por exemplo, em contextos escolares.
Como foi afirmado há algum tempo numa conferência
realizada em Lisboa sobre a homoparentalidade, uma revisão de algumas dezenas
de estudos sobre este conjunto de razões realizada pela Associação Americana de
Psicologia, motivou uma resolução da Associação, em 2004, que não confirma
nenhuma destas preocupações o que também transpareceu em alguns testemunhos
expressos num trabalho que o Público realizou na altura. Parece ainda de
registar que em 2010, a Associação Americana de Psiquiatria afirmava
"apoiar as iniciativas que permitam a casais do mesmo sexo adoptar e
co-educar crianças".
Neste sentido, podemos também lembrar que a
maioria das pessoas homossexuais terão sido educadas em famílias
heterossexuais, que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e
vulnerabilidade psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador
integrando situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem
múltiplos casos de crianças discriminadas por variadas razões em contexto
escolar o que não nos faz retirar, por princípio, as crianças da escola mas,
pelo contrário, combater a discriminação sejam quais forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma forma
propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a certeza
mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de
famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de quem delas
cuida, pais, mães ou educadores. Quando as crianças são bem tratadas e crescem
com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram
caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças quase sempre não sabem como
resolver é quando têm por perto adultos, heterossexuais ou homossexuais, que
não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam, etc. Isso é que
faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente
em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos
com um discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.
Parece bem mais importante defendê-las dos males
comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos olhos.
4 comentários:
O "único" problema desta lei é que saiu demasiado cedo, o nosso país ainda tem uma mentalidade demasiado preconceituosa!
Tenho 20 anos, namoro ha quase 2 com outra rapariga da mesma idade que eu. Sou mulher.
Desde criança que brinco com bonecas, adoro cabelos e maquilhagem e identifico-me com o papel de género feminino. A minha namorada, também. Nao são raras as vezes que nos maquilhamos ou pintamos as unhas. Também nao são raros os momentos intimos. Por que razão é isto relevante? Porque nenhuma de nós tem a pretensão de ser homem. Porque somos mulheres e querermos ser mulheres. Eventualmente, mães.
Esta lei que saiu hoje, ao contrario do comentário acima, veio tarde. Tarde porque chorei durante muitos anos (desde os 15, mais precisamente) porque nunca iria ter filhos. Porque nunca iria ter família. Nao é justo. Estudamos no ensino superior, felizmente os nossos pais têm posses e nao podemos ser inteiramente felizes porque somos felizes no namoro e queremos continua-lo? Nao me faz qualquer sentido.
Quanto a pessoas nao estarem preparadas: como dizia o outro, as teorias cientificas nao são ultrapassadas quando surgem teorias melhores. São ultrapassadas quando a geração anterior morre. Vamos criar novas mentalidades, por favor.
Parece simples Gabriela, o problema é que não é, a história mostra.
A história eventualmente mostrará a relevância desta lei ;-)
Enviar um comentário