Este alto nível de consumo mostra
que a tendência já verificada se mantém. Algumas notas.
Recordo que há algum tempo e de
acordo com o Gabinete de Estudos e Projectos do Infarmed, o consumo de psicofármacos
em Portugal aumentou exponencialmente entre 2000 e 2012. O consumo de
antidepressivos mais do que triplicou, o de antipsicóticos aumentou 170% e o de
ansiolíticos, sedativos e hipnóticos cresceu 6% mas é o grupo com maior
consumo. Comparando com outros países europeus, Itália, Noruega e Dinamarca, o
consumo de tranquilizantes em Portugal está bastante acima. Estes dados estão
em linha com outros estudos. Recordo dados de 2007 divulgados pelo Alto
Comissariado da Saúde referindo que em Portugal, em média, se verificava um
consumo diário de 152,1 psicofármacos por cada mil habitantes, enquanto a média
da EU para 2006 teria sido de 42,3, uma diferença significativa.
Aliás, já em 2011 o Infarmed
referia que o consumo de psicofármacos em Portugal subiu 52% entre 2000 e 2009,
sendo que os encargos do SNS com esta gama de medicamentos subiram 213% no
mesmo período.
Relembro ainda que no final de
2010, um estudo da OMS sobre o universo da saúde mental revelava que em
Portugal, dois em cada dez indivíduos sofrem de alguma forma de perturbação. Só
mesmo os americanos parecem mais "perturbados" que nós e os espanhóis
não chegam a atingir metade da nossa taxa de perturbação.
Parece ainda relevante sublinhar
que a área de maior prevalência de problemas é a das perturbações da ansiedade
o que até não surpreende face ao nosso quotidiano. Aliás, segundo os
especialistas, boa parte dos pedidos de ajuda estarão associados a situações de
fragilidade decorrentes de desemprego próprio ou na família, bem como altrações
na família, emigração dos filhos, por exemplo.
Sendo poucos os dados em que nos
distinguimos pela positiva, e quando se verificam não são suficientemente
valorizados o que traduz uma outra atipicidade nossa, começa a ser preocupante
esta conjugação negativa de dados e padrões que nos caracterizam nas mais
diversas áreas de funcionamento. Tudo isto representa uma séria ameaça à nossa
auto-estima e à confiança que seria importante sentirmos o que alimenta,
também, as situações de mal-estar que nos parecem caracterizar. Como se não
bastasse ainda apareceram uma rapaziada de umas tais agências de rating que nos
consideraram lixo.
Por outro lado, de há uns tempos
para cá entrou no léxico comum da cena política uma terminologia vinda da área
da saúde mental com efeitos que ainda não foram avaliados. Alguns exemplos. É
muito frequente a referência a estados de depressão, o país está deprimido, os
mercados estão deprimidos, algumas regiões portuguesas são consideradas
deprimidas, etc. Diz-se com todo o à vontade que certos comportamentos
políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos. Inventaram um
quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não há opinador,
amador ou profissional, que não se refira a autismo, autista ou esquizofrénico
para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás, deve recordar-se
que a Assembleia da República aprovou há tempos, sem grande resultado
aparentemente, uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos
debates parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem
compulsivamente estratégias de vitimização, a comportamentos obsessivos ou
alucinados, etc. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima
dos portugueses. Neste contexto e considerando ainda a situação grave que o
país tem vindo a atravessar, não é de estranhar que os portugueses depositem
nos psicofármacos a esperança em dias melhores.
Temo que numa próxima versão do
Diagnosis and Statistical Manual of Mental Disorders ainda possa surgir uma
entidade clínica capaz de explicar esta estranha atipicidade dos portugueses e
transformar-nos numa espécie de case study para a comunidade científica
internacional, em diferentes áreas.
Já faltou mais.
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