Há poucos dias escrevi aqui umas
notas na sequência de um naufrágio no Mediterrâneo. Na altura as notícias referiam 400 desaparecidos, boa
parte menores. Hoje é conhecido um novo episódio envolvendo setecentos desaparecidos.
De facto, em regra não comento neste
espaço o que vai acontecendo lá por fora mas é impossível assistir sem um
sobressalto à contínua e dramática tentativa de milhares de pessoas de através
do Mediterrâneo entrarem em terras europeias onde desesperadamente procuram já não
um futuro melhor …. mas qualquer coisa de diferente do inferno em que vivem.
Há tempos lia que, entre outros
trágicos expedientes, é usado um esquema terrivelmente "simples",
enchem-se umas carcaças flutuantes, que em tempos foram navios, com centenas de
desesperados, incluindo mulheres e crianças, e a partir de certa altura a
tripulação que lhes extorquiu o último cêntimo no qual depositavam a vida,
abandona a carcaça flutuante e deixam-na em “piloto automático” a navegar
direito à costa de um país do lado europeu do Mediterrâneo, O resultado é
sempre uma tragédia, ou se despedaçam contra a costa ou são resgatados com o
cortejo de dificuldades que são conhecidas e que, provavelmente, acabam no
repatriamento, ainda mais pobres ainda mais miseráveis, ou seja, ainda mais
mortos sem ter dado por isso.
Esta história tem, no entanto um
lado B, como todas as histórias que envolvem humanos.
Por cá, tal como noutros países
oferece-se, melhor, vende-se o direito de residência e, certamente, sem grandes
problemas, o direito de cidadania a uma rapaziada que por cá apareça com um
contentor de dinheiro, cuja origem é, evidentemente de boa e caridosa fonte.
Por ironia até lhes chamam “vistos gold”. Acontece ainda, sempre o lado B da
espécie humana, que alguma rapaziada bem colocada na administração pública
trata com maior simpatia, por assim dizer, os potenciais interessados nos
“vistos gold” a troco, evidentemente, de umas “lembrançazinhas” e a coisa assim
funciona ainda melhor.
Resumindo esta narrativa muito
feia, os figurantes do Lado A naufragam tragicamente em águas desconhecidas
fugindo a tudo e a todos acabando às centenas num caixão ou desaparecidos no
mar.
Por outro lado, os figurões do
Lado B, nadam em dinheiro, compram o direito de estadia, quiçá, o direito de
cidadania, pelo meio distribuem umas ofertas à gente pequenina que pode
acelerar a sua entrada gold no espaço europeu e são felizes num mundo global.
As histórias dos humanos, com
lado A e com lado B são, quase sempre, pouco edificantes para uma espécie
“superior”.
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