É um problema de dimensão
preocupante quer pelo presente quer pelo que pode significar no futuro, a
incontrolável violência doméstica.
Está em vigor desde Fevereiro uma
campanha dirigida aos adolescentes e jovens sob o tema geral “Quem te ama,
não te agride!.” A campanha, a desenvolver em várias frentes, conta com o
apoio de algumas figuras públicas e pretende combater comportamentos agressivos
ou violentos nas suas relações amorosas.
Esta questão não tem, do meu
ponto de vista, merecido a atenção que a sua gravidade e prevalência
justificam.
Um trabalho da
responsabilidade da Universidade do Porto envolvendo um grupo populacional
significativo, cerca de 3000 jovens nascidos em 1990, divulgado no início de
2014 mostrava que no âmbito das relações de namoro, 60% dos jovens inquiridos
relataram pelo menos um caso de agressão psicológica, insultar por exemplo. Um
em cada três jovens também refere pelo menos um episódio de coacção
sexual e 18 % referiram pelo menos um acto de violência física, bater ou
arremessar um objecto com o objectivo de atingir o outro. É ainda de registar
que mais de metade dos jovens envolvidos assume o estatuto de vítimas mas
também de agressores.
Estes números que são coerentes
com outros estudos sobre comportamentos de violência nas relações amorosas
indiciam o que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais.
Recordo ainda um trabalho
interessante de há algum tempo divulgado UMAR - União de Mulheres Alternativa e
Resposta, um estudo envolvendo 885 pessoas com idades entre os 11 e os 18 a
frequentar escolas da área do Porto e de Braga. Em síntese, para mais de metade
dos inquiridos neste estudo será normal proibir ao namorado(a) o uso de
determinadas roupas, 5% dos rapazes acham que agredir a namorada não é
violência. 25 % dos rapazes e 13,3% das raparigas acham que humilhar o
parceiro(a) é legítimo e 15,65 dos rapazes e 5% das raparigas entendem que
ameaçar é um comportamento normal.
Este conjunto de dados é
preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é
surpreendente. Os dados sobre violência doméstica em adultos que permanece
indomesticável deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que
suporta os dados destes e de outros trabalhos.
Os sistemas de valores pessoais
alteram-se a um ritmo bem mais lento que os nossos desejos e estão, também e
obviamente, ligados ao quadro de valores sociais presentes em cada época. De
facto, e reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é relevante a percentagem
de jovens que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes
comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus tratos.
Como todos os comportamentos
fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e
convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais,
mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância,
torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e
educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de
comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites
numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes
de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Acontece que o MEC acha
dispensáveis os conteúdos curriculares relativos à formação pessoal e formação
cívica num entendimento mais do que discutível e só explicado pela política
contabilística em que boa parte da política educativa se transformou.
Entretanto e enquanto não,
"só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?"
Sem comentários:
Enviar um comentário