No Observador de hoje encontra-se um trabalho interessante
e oportuno sobre as questões curriculares, designadamente, sobre as metas
curriculares. Como várias vezes tenho afirmado e os testemunhos integrados na
peça confirmam, as metas curriculares, tal como estão definidas, parecem ser
parte do problema e não parte da solução.
As metas curriculares podem funcionar como uma ferramenta
orientadora e muito útil para o trabalho de alunos e professores mas para que
isso aconteça deverão ser de simples utilização e operacionalização.
Como exemplo vejamos apenas o 1º ciclo e Matemática e
Português.
Em Matemática são definidos 3 domínios que se desdobram
como segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13 objectivos e 62 descritores, no 2º
ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82 descritores, no 3º ano em 11
sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no 4º ano em 6 sub-domínios, 15
objectivos e 81 descritores o que em síntese corresponde a 72 objectivos e 323
descritores para Matemática do 1º ciclo.
Se juntarmos Português teremos um total de 177 objectivos e
703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano, 33 objectivos e 143 descritores;
no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51 objectivos e 202 descritores
e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. É obra, uff.
Este entendimento pode levar a que o ensino se transforme
na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas
implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os
alunos, os seus ritmos de aprendizagem. Como se mostra na peça o trabalho de
professores está fortemente condicionado pela obsessão crática com a avaliação
externa, os exames, o determinante de todo o trabalho.
Aliás, neste
contexto é preocupante a afirmação dos autores das metas curriculares, de que
estas estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar,
“exigindo da parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos
referidos nos descritores”.
Este cenário, aplicado em todas as áreas ou disciplinas, em
turmas de 26 alunos no 1º ciclo e de 30 a partir do 5º ano, constituídas
por alunos com ritmos diferentes e assimetrias nos seus percursos e
competências, deixa-me uma imensidade de dúvidas sobre a aplicação das metas
curriculares, tal como estão definidas.
Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos
anglo-saxónicos como selo de qualidade, sempre a referência à qualidade e
exigência, o que, aliás, está longe de acontecer, devo confessar que continuo
apreensivo e temo, insisto, que as metas curriculares, nos termos em que são
definidas possam constituir-se como parte do problema e não parte da solução.
Em síntese e como afirma a Associação de
Professores de Português a propósito do Programa de Português para o ensino
Básico que está em discussão pública e que entre o 1º e o 9º ano define perto
de 1 000 metas curriculares, temos um modelo curricular de natureza “fortemente
prescritivo, que vai empobrecer a educação e promover a retenção escolar dos
alunos” na mesma linha, aliás, do entendimento do Conselho Nacional de educação.
Reservas da mesma natureza têm sido expressas por outras Associações
Profissionais de Professores de diferentes disciplinas.
Parece-me ainda importante recordar que
alguns trabalhos de investigação que têm vindo a ser desenvolvidos, cito o da Professora Dulce Gonçalves da Universidade de
Lisboa, evidenciam a desadequação e os problemas criados pelas metas
curriculares.
Não será difícil antecipar que este novo Programa de
Português para o ensino básico assente nas metas curriculares, tal como estão
definidas, corre o sério risco de vir a ser parte do problema, o sucesso dos
alunos, e não parte da solução.
É evidente que esta opção é coerente com a visão de
educação, educação e ensino públicos que a equipa do MEC assume.
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