A imprensa divulga hoje mais um caso de uma criança
devolvida pela família adoptiva. As razões da devolução remetem para um
comportamento difícil que não parece ser confirmado pela instituição que
recebia a criança.
Já aqui tenho abordado esta questão. Na verdade, os casos
de “devolução" de crianças em processo de adopção são mais numerosos do
que se imagina e por vezes em processos incompreensíveis, sobretudo se
escrutinadas pelo “superior interesse da criança”.
Nos últimos anos registaram-se mais de 100 casos de
crianças que foram devolvidas, isto é, viram o seu processo de adopção
interrompido. Muitas destas situações deveram-se ao facto de as crianças
"não corresponderem às expectativas" das famílias adoptantes.
Vejamos com mais atenção. Uma criança, por qualquer razão
não tem uma família, está numa instituição, envolve-se num processo de adopção,
entra numa família que entende passar a ser a SUA família, deve sentir-se num
caminho bonito. Passado algum tempo é devolvida, provavelmente, sem perceber
porquê e vive uma, certamente mais uma, experiência devastadora com efeitos que
não podem deixar de ser significativos.
Como é evidente, admito que em circunstâncias excepcionais
o processo possa ser interrompido mas, insisto, só mesmo numa situação limite
depois de esgotados os dispositivos de apoio às famílias adoptantes.
A lei permite, não sei se terá sido alterada, que durante
seis meses a criança possa ser devolvida, trata-se de um período de adaptação,
uma espécie de contrato à experiência. O Juiz Armando Leandro presidente da
Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, reconhecia há
algum tempo que a devolução não tem de ser baseada em "critérios
necessariamente válidos". Também há algum tempo num trabalho sobre o mesmo
tema, o DN citava um caso em que uma criança foi devolvida e trocada por outra
porque não se adaptava ao cão da família. Outros casos de devolução envolvem
dificuldades de adaptação a outros elementos da família ou a questões
económicas.
Como é de prever, os serviços procuram na fase pré-adopção
prevenir situações deste tipo, embora eles continuem a ocorrer.
Voltando ao tão apregoado "superior interesse a
criança", é difícil imaginar o que se passará na cabeça de um miúdo que
passa anos a construir uma ideia de família, a certa altura entra numa família
a que chama sua e de repente dizem-lhe que volta a estar só, na instituição,
porque ... não se dá bem com o cão ou não corresponde às expectativas. Que
sentirá a criança?
Porquê? Não presta? Não a querem? ...
Mas as crianças, Senhores?
Deixem-me ainda recordar uma expressão que ouvi já há algum
tempo a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter
com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que "só as crianças adoptadas
são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”.
Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas
pelos seus pais, crescem sós e abandonadas. No entanto, é melhor criar uma
oportunidade para que as crianças "desabrigadas" possa ser adoptadas,
possam ser felizes.
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