Como é evidente, qualquer
iniciativa que se destine a minimizar o problema grave dos maus tratos aos mais
novos é de saudar. No entanto, como afirmo de há muito, apesar de existirem
vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir
legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “superior interesse
da criança", não existe o que me parece mais importante, uma cultura
sólida de protecção das crianças e jovens. Dos efeitos desta inexistência temos
exemplos com regularidade, veja o caso da menina de 12 anos grávida de 5 meses
do padrasto que começou a abusar da criança aos 6 anos mas o processo foi
arquivado porque a criança negou os abusos. Como é possível esta ligeireza?! Uma criança de 6 anos nega uma situação de abuso no seio da família e as coisas ficam por assim mesmo?
Poderíamos também citar a
insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos tribunais de
Família com enorme morosidade na resolução de situações de regulação para além
de surgirem com alguma regularidade decisões incompreensíveis em casos de
regulação do poder parental ou o silêncio face a situações conhecidas, etc.
Por outro lado, as condições de
funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer
um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em
circunstâncias extraordinariamente difíceis.
Na sua grande maioria as
Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou
comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais
operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a
tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade
do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos
profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram
situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e
jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou
não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois
de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa
particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o
que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e
referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou
resolver ou minmizar os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas.
Seria, pois, desejável, vamos ser
optimistas, que este Observatório possa vir a ser um contributo valioso no
sentido de potenciar o desenvolvimento de uma cultura de protecção das
crianças, da disponibilização de recursos adequados em dimensão e formação, na
aceleração e eficiência de processos, na articulação de instituições e respostas,
etc.
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