O Público de hoje apresenta um
trabalho de extrema relevância nas nossas
comunidades educativas, a violência escolar.
De acordo com o Relatório Anual
de Segurança Interna relativo a 2014 verifica-se desde 2008 um trajecto de
crescimento de participações às autoridades de situações graves bem como o
número de participações de ofensas corporais, de 1292 em 2008 registaram-se 1665
em 2014.
Importa, no entanto, considerar
que existem inúmeros casos não reportados pelas escolas, pelo que este tipo de
fenómeno requer permanente atenção até porque a concentração de alunos e o
aumento do número de alunos por turma potencia a emergência de situações desta
natureza. Aliás, tenho a convicção de que as pessoas que não conhecem os meios
escolares não têm a percepção da diminuição dos episódios de violência, antes
pelo contrário. De novo, algumas notas sobre esta matéria, suficientemente
complexa para que sejam tantas as dúvidas quantas as certezas, muitas.
Em primeiro lugar uma referência
à função professor. A imagem social dos professores tem estado sob pressão
continuada com o risco de sofrer uma erosão significativa. As razões são
variadas e dificilmente compatíveis com este espaço mas creio que uma boa parte
da política educativa dirigida aos professores nos últimos anos, alguns dos
discursos dos lideres sindicais e as afirmações ignorantes e irresponsáveis de
alguns "opinion makers" têm dado um bom contributo. Este processo
mina de forma muito significativa a relação que pais e alunos têm com os
professores, ou seja e sendo deselegante, "uma classe de gente que não
trabalha", "que não se interessa pelos alunos", "que não
quer ser avaliada", etc., (basta ver muitos dos comentários on-line a
notícias que envolvem professores), não é, obviamente uma classe que mereça
respeito pelo que se instala de mansinho um clima de reacção, desconfiança e
fraqueza que minam o exercício da autoridade. Os pais e alunos que agridem e
ofendem professores são uma espécie de "braço armado" dessa imagem
social induzida.
Por outro lado, a cultura
profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é
ainda marcada por um excesso de individualismo. Quero dizer com isto que,
lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha
profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem
aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de
incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de
fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior
cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência,
negligência ou insuficiência de recursos docentes e de funcionários, muitas
direcções de escolas e agrupamentos não vão muito longe na definição de
dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à
presença de dois professores, por exemplo, que dariam aos professores apoio e
confiança para o trabalho com os seus alunos.
Importa pois, muitas vezes o
refiro, caminhar no sentido do reforço da imagem social dos professores como
fonte imprescindível de autoridade, saber e importância e, paralelamente,
incentivar a construção nas escolas de dispositivos leves e ágeis de apoio aos
professores de forma a que cada um não se sinta entregue a si próprio e com
receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em
que um docente se pode sentir. Este caminho é da responsabilidade de todos,
ministério, sindicatos, direcções de escolas e agrupamentos, pais, professores
e alunos.
A segunda nota remete para a
instituição escola. Em primeiro lugar, a escola é, será sempre, um reflexo do
contexto económico, social e cultural, bem como do sistema de valores em que se
integra. Neste quadro, em tempos de violência, a escola espelha essa violência,
em tempos de sentimento de insegurança, a escola espelha essa insegurança, em
tempos de sentimento de impunidade, a escola espelha esse sentimento de
impunidade. Por tudo isto não é possível, como alguns discursos o fazem,
responsabilizar exclusivamente a escola, por estas situações. A escola fará
certamente parte da solução mas não é, não pode ser, A solução, esta passará
por intervenções concertadas no âmbito das comunidades.
Um segundo aspecto prende-se com
o trabalho com as famílias. Muitos casos de violência escolar estão associados,
não estou a falar de uma relação de causa-efeito, à acção negligente ou menos
competente por parte das famílias. Continuo fortemente convicto de que nas
escolas devem ser criados dispositivos, com recursos, humanos e de tempo por
exemplo, para trabalho sistemático e estruturado com as famílias. Com as
metodologias mais frequentes, reuniões de pais e convocatória para famílias
problemáticas irem à escola, que se revelam ineficazes, a maioria dos pais nem
sequer aparece, creio que será muito difícil alterar ou, pelo menos, minimizar
os efeitos das variáveis familiares nos comportamentos dos miúdos.
Uma outra questão ainda dentro da
instituição escola, prende-se com o facto conhecido de que os problemas mais
significativos sentidos nas escolas, indisciplina, violência,
delinquência, bullying, etc. ocorrem, obviamente, nas salas de aula e,
sobretudo nos espaços de recreio. Deixando de lado, de momento, a sala de aula
parece-me fundamental que se dê atenção educativa aos tempos e espaços de
recreio escolar.
Em muitas escolas, como referiam
na peça do Público representantes dos directores, a insuficiência de pessoal auxiliar não
permite a ajustada supervisão desses espaços. Por outro lado, a sua formação em
matérias como supervisão educativa e mediação de conflitos, por exemplo, e, ou,
o entendimento que têm das suas competências, muitas não valorizadas pela própria
comunidade, leva a alguma negligência ou receio de intervenção.
Talvez não seja muito popular mas
digo de há muito que os recreios escolares são dos mais importantes espaços
educativos, aliás, muitas das nossas memórias da escola, boas e más, passam
pelos recreios. Neste sentido, defendo que a supervisão dos intervalos deveria
ser da responsabilidade de docentes. A reestrutura da enorme carga burocrática
do trabalhos dos professores, dos modelos de organização e funcionamento das
escolas, por exemplo, poderiam libertar horas de docentes para esta supervisão
que me parece desejável.
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