"Quase 40% dos participantes num inquérito da Federação dos Bancos Alimentares Contra a Fome confessaram ter passado um dia sem comer por falta de dinheiro e mais de metade disseram que o rendimento familiar “nunca é suficiente para viver”", no
Público.
Este tipo de informação constitui um fortíssimo murro no estômago na maioria de nós e na consciência ética, se existisse, de gente como o Secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro Adjunto da
Troika, o geniozinho Carlos Moedas que há dias afirmou que as pessoas “só acabam com os maus hábitos quando enfrentam choques”, para exemplificar o que está a ser feito na
economia portuguesa.
Recordemos alguns indicadores do que está a ser feito em Portugal com resultados como o que a notícia traduz.
Dados do Eurostat confirmam aquilo que só os que entendem que a realidade é a projecção os seus desejos negam, os níveis insustentáveis de pobreza que afligem os portugueses, designadamente crianças e idosos. Segundo dados de 2011, Portugal apresenta um risco de
pobreza e exclusão social nas crianças e nos idosos acima da média da UE. Mais precisamente, 28,6% das crianças portuguesas estavam em risco de pobreza e
exclusão social face a 27% da UE e para os idosos, mais de 65 anos, os indicadores são 24,5% entre os portugueses e uma média de 20,5% na UE. A situação agravou-se como os dados conhecidos mostram.
Temos 17.7% de desemprego oficial, que se sabe ser superior em termos reais e que se estima continuar a crescer. Este cenário representa cerca de 1,8 milhões de portugueses sem emprego ou com função laboral a tempo inteiro com a terceira mais alta taxa de precariedade na Europa. No escalão mais jovem o desemprego está nos 42.1% e mais de metade dos desempregados, cerca de 560 000, são de longa duração e, portanto, sem expectativa realista de voltar a entrar no mercado de trabalho. Também apenas 44 % dos desempregados acedem a subsídio de desemprego.
Continua, pois, um devastador cenário do qual releva o aumento brutal de situações de pobreza, bem acima das estatísticas oficiais, o aumento fortíssimo do desemprego e do número de pessoas desempregadas sem subsídio de desemprego, o abaixamento dos apoios sociais, a pobreza a afectar crianças e idosos, sempre os grupos mais vulneráveis. Relembro o recentemente divulgado Relatório da Cáritas Europa que também referia o aumento da pobreza infantil em Portugal e a manutenção de simetrias gritantes na distribuição da riqueza.
Este é o resultado de uma persistência cega e surda no “custe o que custar", no cumprimento dos objectivos do negócio com a troika e dos objectivos de uma política "over troika", atingindo claramente o limite do suportável e afectando gravemente as condições de vida de milhões. Estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou melhor estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas. Talvez isto fosse de considerar em pleno período de avaliação com a presença dos administradores do país por cá, assim os feitores que nos governam assumissem um "basta" que tarda.
Contrariamente ao que nos querem fazer acreditar, como o geniozinho Moedas insiste, a maioria das famílias portuguesas não viviam ou vivem acima das suas possibilidades, mas cada vez mais famílias estão a viver abaixo das suas necessidades, com fome, pobres, sem apoio e em risco de exclusão. Os sucessivos Governos, desta e de outras terras, é que subscreveram políticas públicas que assentes em modelos económicos sem alma nem ética produziram o inferno em que vivemos, não foram as famílias, na sua maioria que o produziram. As famílias é que sofrem o choque de que fala este burocrata sem alma mas não foram elas que têm ou tiveram a maior responsabilidade pela situação criada.
Com este terramoto social e económico ainda insistem em que temos de empobrecer, sofrer um choque, expressão que indigna até à raiva. NÓS JÁ ESTAMOS POBRES, NÃO PODEMOS FICAR MAIS POBRES, entendam isto de uma vez por todas.
Nós não precisamos de empobrecer, falar de empobrecer é insulto e terrorismo social como já afirmei. Nós precisamos de combater a assimetria da distribuição da riqueza e produzir mais riqueza, precisamos de combater mordomias e desperdício de recursos e meios ineficientes e muitas vezes injustificados que alimentam clientelas e interesses outros. Nós precisamos de combater a teia de protecção legal e política aos interesses dos mercados e dos seus empregados, como o geniozinho Moedas, que conflituam com os interesses das pessoas. Nós não precisamos de empobrecer, nós já somos um dos países mais pobres e assimétricos da Europa com perto de um terço da sua população pobre ou em risco de pobreza, com miúdos a chegar às escolas com fome, com gente sem trabalho e sem apoio social.
O que precisamos é de coragem e visão sem subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir modelos económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados ou a grupos minoritários de interesses mesmo que mascarados em malditos planos de "ajustamento", de "resgate" ou ainda e de forma ofensiva de "ajuda".
Há discursos com os quais não podemos deixar de nos sentir ofendidos e indignados, chocados, por assim dizer.
O das pessoas com fome ofende-nos ela indignidade da situação, o do geniozinho Moedas pela despudorada e delinquente insensibilidade.