Um texto interessante do Paulo Guinote no Público
leva-me a retomar umas notas que tinha escrito a propósito de um trabalho na
imprensa sobre as classes sociais e a mobilidade social.
As circunstâncias conjunturais, provavelmente
estruturais, que vivemos fazem admitir uma mobilidade social descendente
produzindo uma classe de "novos pobres", que tendo anteriormente
ascendido a patamares médios se sentem agora em processo significativo de
degradação das condições e qualidade de vida. Neste contexto, a que se junta
uma política educativa que parece ter como desígnio a promoção de uma espécie
de darwinismo social, em que por sucessivos processos de selecção que não
garantem equidade nas oportunidades, a educação e a qualificação não parecem estar
a ser suficientes para promover mobilidade social ascendente.
De facto, uma das ferramentas mais sólidas de
promoção da mobilidade social nas últimas décadas, na generalidade das
sociedades, tem sido justamente a educação, ou seja, a qualificação académica e
profissional são entendidas como ferramentas imprescindíveis de progressão
social. Lembro-me a frequência com que os meus pais, um serralheiro e uma
costureira, me incentivavam "estuda que vais ser alguém que nós não
fomos". Tal entendimento é adequado, importa sublinhar, mesmo num tempo em
que os jovens com qualificação superior têm uma taxa de desemprego superior a
35%. Com base em vários indicadores, é ainda claro que estudar compensa. É
certo que sempre existem uns "alpinistas sociais" que tratam muito
bem da sua mobilidade sem grande esforço de qualificação escolar ou
profissional.
Para além do que se passa ao nível da
escolaridade obrigatória, Portugal, conforme alguns estudos demonstram, tem
comparativamente a muitos outros países da Europa, um dos mais altos custos
para as famílias a situação de um filho a estudar no ensino superior, ou seja,
as famílias portuguesas fazem um esforço bem maior, em termos de orçamento
familiar, para que os seus filhos acedam a formação superior. Se considerarmos
a frequência de ensino superior privado o esforço é ainda maior. Tem vindo a
ser regularmente noticiada a desistência da frequência dos cursos por muitos
alunos que, por si, ou os respectivos agregados familiares não suportam os
encargos com o estudo.
Estas dificuldades são, do meu ponto de vista,
considerados frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal
entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um
luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
As mudanças nos dispositivos de apoio e bolsas, o
encarecimento dos custos de formação, mais significativos nos 2º ciclos e as
dificuldades das próprias famílias e estudantes podem ter um efeito extremamente
significativo em termos de futuro ao inibirem a educação e qualificação.
Apesar das melhorias registadas nos últimos anos,
os relatórios internacionais ainda reconhecem como característica do sistema
educativo português, sobretudo devido às altas taxas de abandono precoce, o
baixo impacto da educação na mobilidade social. Dito de outra maneira, os
indivíduos com origem em grupos sociais mais favorecidos são os que
tendencialmente obtêm melhores níveis de qualificação e repete-se o ciclo. Neste
quadro, a redução significativa das bolsas e apoios, as dificuldades enormes
que muitas famílias atravessam e o desemprego mais elevado entre os jovens, que
poderia constituir uma pressão para continuar os estudos, a que acrescem as
elevadas propinas, designadamente no 2º ciclo, tornam ainda mais difícil a
realização de percursos escolares que promovam mobilidade social e que se
traduz, por exemplo, no aumento das desistências.
Neste cenário, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam ter
um papel decisivo na minimização de assimetrias, as políticas, os custos e a dificuldade de
acesso podem, pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa,
"tal pai, tal filho", pai letrado, filho letrado e pai pouco letrado,
filho pouco letrado.
Sem comentários:
Enviar um comentário