Uma das matérias que, lamentavelmente, mais frequentemente tenho abordado prende-se com os efeitos que as dificuldades graves que muitos
estudantes e famílias atravessam têm no risco ou impossibilidade de continuação
dos estudos no ensino superior.
O Ministro Nuno Crato afirmou há pouco tempo que
não tinha indicadores que pudessem sustentar o aumento do abandono.
Evidentemente que quem se move neste universo sabe exactamente que para muitos
estudantes o abandono do curso já não é um risco, mas uma dramática certeza.
Talvez para contrariar o Sr. Ministro, o Instituto Superior de Ciências Sociais
e Políticas (ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa vai lançar uma iniciativa destinada justamente
ao apoio a alunos em fortes dificuldades para garantirem a continuidade dos
estudos.
Contrariamente ao que creio ser um dado adquirido
por muita gente, Portugal tem um dos mais altos custos de propinas da Europa,
ocupa o 10º lugar nos países com propinas mais caras, embora em vários destes
países com propinas mais altas, muitos dos alunos não sejam abrangidos por
esses valores.
Também há pouco tempo foi divulgado um estudo
realizado pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa que contribui
para desmontar um equívoco que creio instalado na sociedade portuguesa.
Comparativamente a muitos outros países da Europa, Portugal tem um dos mais
altos custos para as famílias para um filho a estudar no ensino superior, ou
seja, as famílias portuguesas fazem um esforço bem maior, em termos de
orçamento familiar, para que os seus filhos acedam a formação superior. Se
considerarmos a frequência de ensino superior particular o esforço é ainda
maior.
Tem vindo a ser regularmente noticiada a
desistência da frequência dos cursos por muitos alunos que, por si, ou os
respectivos agregados familiares não suportam os encargos com o estudo. Sabe-se
também dos constrangimentos na atribuição de bolsas de estudo.
Segundo um estudo da Universidade do Porto, quase
um quarto dos seus alunos abandona o curso durante os três primeiros anos. Os
números dos diferentes cursos têm variações acima ou abaixo do valor médio, mas
são muito elevados. Embora existam outros factores contributivos, as
dificuldades económicas parecem constituir a razão fundamental para esta enorme
taxa de abandono.
Também um inquérito envolvendo estudantes de todo
o país coordenado pela Associação Académica da UTAD, apurou que 48% dos
inquiridos já passaram por dificuldades económicas e cerca de 65% temem
abandonar o curso em consequência das dificuldades.
Recordo ainda um trabalho de há meses realizado
pelo Público junto de um grupo significativo de estabelecimentos de ensino
superior, em que se constatou que, face a igual período do ano passado,
aumentou 6% o número de desistências do ensino superior por efeitos da crise.
Esta percentagem corresponde a cerca de 3300 estudantes o que é significativo.
As dificuldades económicas, a dificuldade no acesso a bolsas e o aumento de
propinas são os motivos identificados.
As dificuldades pelas quais passam muitos
estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público,
quer no sistema privado, são, do meu ponto de vista, considerados
frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento
parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem
supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
Neste quadro, a redução significativa das bolsas
e apoios, as dificuldades enormes que muitas famílias atravessam e o desemprego
mais elevado entre os jovens, que poderia constituir uma pressão para continuar
os estudos, as elevadas propinas, designadamente no 2º ciclo, tornam ainda mais
difícil a realização de percursos escolares que promovam mobilidade social e
que se traduzem, por exemplo, no aumento das desistências.
Quando se espera e entende que a minimização das
assimetrias possa, também, depender da educação e qualificação, o seu preço e
as dificuldades actuais, longe de as combater, alimenta-as.
É preocupante.
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