terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

DUAS MÃES, DOIS PAIS

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos entendeu que a Áustria violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem por não ter permitido a adopção co-parental a um casal homossexual. Na sua decisão, o Tribunal citou Portugal como um dos países que não permitem  adopção conjunta de uma criança por um casal do mesmo sexo, o que, entende o Tribunal, colide com os direitos humanos. É ainda de referir que o Tribunal considerou que  o Governo austríaco não apresentou provas sólidas de que seria “prejudicial para uma criança ser adoptada por um casal homossexual ou ter legalmente duas mães ou dois pais”.
Estarão lembrados da discussão levantada quando há meses o Tribunal de Família e de Menores do Barreiro decidiu a atribuir a guarda provisória de uma criança a um casal homossexual. A decisão não configura a atribuição de responsabilidades parentais e muito menos a adopção, possibilidade chumbada pelo Parlamento em Fevereiro do ano passado. No entanto e ao que parece, os termos da decisão do Tribunal parecem fundamentar um argumentário favorável à adopção o que é mais um contributo para o debate em aberto sobre a homoparentalidade, questão que aqui retomo pois estará sempre  em aberto a sua discussão.
A questão da adopção por parte de casais homossexuais é, na maior parte das vezes, dirimida mais em torno dos valores que da racionalidade da argumentação. Sem querer, nem sequer consigo, trazer nada de novo para a discussão, apenas umas notas.
As três grandes preocupações ou obstáculos mais frequentemente aduzidas para impedir a adopção por casais homossexuais são a eventual dificuldade da criança em lidar com a sua orientação sexual, a vulnerabilidade psicológica e problemas de comportamento e o risco de discriminação nos contextos escolares. Como foi afirmado há algum tempo numa conferência realizada em Lisboa sobre a homoparentalidade, uma revisão exaustiva de estudos sobre estas questões realizada pela Associação Americana de Psicologia não confirmou nenhuma destas preocupações o que também transparece em alguns testemunhos expressos num trabalho que o Público realizou na altura.
Neste sentido, podemos também lembrar que a maioria das pessoas homossexuais terão sido educadas em famílias heterossexuais, que existem crianças com sérios problemas emocionais e vulnerabilidade psicológica a viverem situações familiares heterossexuais e, finalmente, que existem múltiplos casos de crianças discriminadas em contexto escolar o que não nos faz retirar de lá as crianças mas, pelo contrário, combater a discriminação.
Do meu ponto de vista e de uma forma propositadamente simplista, a questão central é que o que faz mal às crianças é serem maltratadas, e os maus tratos não decorrem do tipo de famílias mas da competência dos pais/educadores. Quando as crianças são bem tratadas e crescem com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
O que as crianças quase sempre não sabem como resolver é quando têm por perto adultos, heterossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam, etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos com um discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.
É mais importante defendê-las dos males comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos olhos.

1 comentário:

João disse...

Apenas para agradecer esta esclarecedora crónica - um antigo aluno.
Obrigado,Professor!