Um administrador de uma empresa intermunicipal de recolha e valorização de resíduos sólidos, o chamado "lixo", vem insurgir-se e pedir coimas para o crescente roubo que se verifica por parte de pessoas que vão "catar" os contentores numa concorrência desleal com a empresa. O Senhor Administrador acha que este "crime" dos "catadores de lixo" é "uma situação própria de países do terceiro mundo", sendo necessário tomar medidas para travar este roubo, coimas ou, porque não pergunto eu, a prisão ou um campo de trabalho.
Já aqui há uns tempos foi notícia de que os municípios estão a sofrer a concorrência ilegal dos catadores ou farrapeiros, na recolha de papel e cartão para reciclar, uma actividade em relativo desaparecimento até há algum tempo em Portugal. Era coisa de outras paragens, mais pobres.
Já aqui há uns tempos foi notícia de que os municípios estão a sofrer a concorrência ilegal dos catadores ou farrapeiros, na recolha de papel e cartão para reciclar, uma actividade em relativo desaparecimento até há algum tempo em Portugal. Era coisa de outras paragens, mais pobres.
Na verdade, as agruras que a vida de muita gente atravessa fazem com que famílias inteiras se dediquem a esta actividade, aliás, frequente há alguns anos. Estes catadores retiram os materiais que estão depositados nos contentores municipais ou fazem mesmo a recolha directa junto de estabelecimentos, o que também é compensador para estes. Este negócio começa a reflectir-se negativamente nos rendimentos das autarquias.
O Senhor Administrador, agora inquieto com a actividade concorrencial dos catadores, não revela um sobressalto com o que leva esses criminosos "catadores de lixo" à grave delinquência cometida. Seria pedir de mais em termos de sensibilidade e solidariedade.
O Senhor Administrador, agora inquieto com a actividade concorrencial dos catadores, não revela um sobressalto com o que leva esses criminosos "catadores de lixo" à grave delinquência cometida. Seria pedir de mais em termos de sensibilidade e solidariedade.
Este cenário, catar lixo nos contentores ou andar em busca do papel e cartão, fazem parte de uma coreografia da fome protagonizada por personagens de um filme negro que deambulam junto dos caixotes do lixo dos supermercados, catando lixo, papel e cartão ou os restos e sobras de alimentos que, no espaço da UE, representam metade do que se consome, e que segundo números oficiais divulgados por Bruxelas recentemente serão cerca de 79 milhões de pessoas em risco de pobreza e exclusão, 2,7 dos quais em Portugal.
Esta referência aos catadores de lixo, recordou-me o notável e lindíssimo “Os Respigadores e a Respigadora”, de Agnès Varda, sendo que não é uma obra de arte, é uma acusação pesadíssima.
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