A condição de reformado, a idade de passagem à
reforma e os rendimentos dos reformados entraram na agenda por variadíssimas
razões, desde a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, à demagogia
insensata e insensível do Primeiro-ministro sobre a relação entre descontos e
reformas ou a mais antiga e disparatada referência de Cavaco Silva ao seu
insuficiente rendimento de reformado, que, aliás, o fez, inaceitavelmente,
preferir o rendimento das suas reformas ao miserável vencimento de Presidente.
No Público de hoje aparece um excelente trabalho
com base num Relatório de uma agência europeia mostrando que os preguiçosos
portugueses são os que mais trabalham depois dos 65 anos em toda a União Europeia.
Tal situação decorre do desejo de se manterem activos, contrariando a tese da
preguiça, mas, sobretudo, pela insuficiência da maioria das reformas, perda de
rendimentos provocada pela política em curso, ou seja, continuam a lutar pela
sobrevivência. Estava a escrever isto e a lembrar-me do Velho Zé Marrafa lá do
Meu Alentejo que começou aos nove anos a guardar porcos, já está reformado, mas
precisa de continuar na lida seis dias por semana e vai nos 72.
Recordo que em 2009, segundo dados da Segurança
Social, existiriam em Portugal cerca de 1,8 milhões de pobres, hoje estão bem
acima dos dois milhões, ou seja, com rendimento inferior a 360 €, o limiar de
pobreza, e, curiosamente, o mesmo número de pensionistas. Relativamente a
estes, o valor médio das pensões era de 385 € e só Lisboa e Setúbal
apresentavam valores médios acima do salário mínimo nacional, 450 €, em 2009. A
assimetria era fortemente evidenciada pelo facto de a pensão média mais a
baixa, a de Bragança, ser de 272 € e a mais alta, a de Lisboa, ser de 504 €. Só
quatro concelhos, Lisboa, Setúbal, Porto e Aveiro apresentam valores médios das
pensões acima do limiar de pobreza.
A situação actual ter-se-á obviamente agravado
para muitos milhares de pessoas sendo que aqueles, poucos, que não viram as
pensões ou reformas alteradas as têm com valores baixíssimos e insuficientes
para os retirar da situação de pobreza. Trata-se, ao que parece, do início da
refundação do estado social.
Considerando todo este cenário e para que conste
e antes que a situação se coloque, declaro-me indisponível para me reformar,
quero aceder ao estatuto de irreformável. Por várias razões, das quais relevam.
Se os salários já não são muito elevados as
reformas são ainda mais baixas e anunciam-se cortes nos seus valores.
Não gosto de jogar sueca e dominó e sou alérgico
ao pólen, donde não posso passar o tempo no jardim com outros seniores a jogar
debaixo da sombra.
O valor das reformas não permite o acesso a bens
de cultura, livros, discos e cinema, por exemplo, que me permitissem ocupar o
tempo da reforma. Depressa me deprimiria.
Os miúdos estarão rapidamente a viver 24 horas
dentro da escola pelo que já nem tomar conta dos netos é uma actividade que
espere pelos reformados.
Provavelmente apelando à responsabilidade social
dos reformados, não tardará um apelo a um movimento de voluntariado no sentido de
continuarem a trabalhar, mas com o actual salário substituído pela reforma, bem
mais baixa, é claro. Gosto muito do que faço, mas quero fazê-lo
profissionalmente e não com um estatuto de voluntário com uma pensão de reforma
debaixo do braço.
As comunidades, de uma forma geral, não estão
preparadas com equipamentos para seniores e os melhores são inacessíveis. O
equipamento social mais utilizado pelos seniores é a sala de espera do Centro
de Saúde. Não me apetece passar nestes espaços parte substantiva dos meus últimos
dias.
Assim, solicito que, enquanto conseguir, me
deixem continuar a trabalhar, não me reformem.
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