Com uma regularidade impressionante que nos preocupa
seriamente são revelados casos de abusos sexuais sobre crianças e adolescentes,
a maioria em situações envolvendo familiares ou amigos da famílias e também
instituições que lidam com as menores. O caso mais recente envolve o Seminário
do Fundão e os abusos realizados pelo seu vice-reitor e o que é conhecido
parece indiciar uma postura algo diferente das demasiado frequentes ambiguidades
ou mesmo encobrimento por parte da hierarquia da igreja sobre tais comportamentos.
É consensual que a "explosão" do
chamado caso Casa Pia colocou uma luz mais forte sobre este universo negro, os
abusos sexuais sobre crianças, pelo que a comunidade parece ter ficado mais
atenta. A prova desta maior atenção pode encontrar-se no facto de desde o
início do processo em 2002 e até 2009, ter triplicado o volume de denúncias. No
entanto, as pessoas que conhecem este tipo de problemáticas sabem que o volume
de denúncias é apenas uma parte das situações de abuso. Aliás, a Directora do
Público mostra num texto interessante de hoje sobre a maior atenção e
disponibilidade actuais das comunidades sobre estas matérias, reportando-se à
forma como na altura foi tratado o caso do Padre Frederico passado na Madeira.
Esta circunstância decorre de um aspecto que me
parece fundamental não esquecer, nunca. A maioria dos abusos sexuais sobre
crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em
instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão
tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos embora, como é o caso do
Fundão, continuem a acontecer.
Apesar das mudanças verificadas em termos legais
e processuais, a fragilidade ainda verificada, na criação de uma verdadeira
cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas
de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de
posse e usufruto quase medieval. Muitas crianças em situação de abuso no
universo familiar ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família ou
amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes
façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas bem como das
consequências para si próprias, uma vez que se sentem quase sempre abandonadas
e sem interlocutores em que possam confiar.
A este cenário acrescem os riscos que as novas
tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a
internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro continua a ser absolutamente
necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da
saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de
que algo se passa com eles.
Esta atitude de permanente, informada e
intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do meu ponto
de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos.
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