sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

ATROPELADOS PELA AUSTERIDADE

Em Relatório hoje divulgado por parte da Federação Europeia das organizações que trabalham com as pessoas sem abrigo consta que Portugal é um dos quatro países em se regista um alargamento do perfil socioeconómico das pessoas nesta condição, atingindo grupos sociais que se julgavam imunes a esta situação.  O risco da perda total está mais perto de muitas famílias.
Há poucos dias o responsável da Cáritas considerava que, de acordo com o OGE para 2013, vamos assistir à emergência do que ele chama de empregados pobres, ou seja, pessoas, muitas pessoas, que apesar de manterem os seus empregos terão o seu rendimento tão penalizado que não conseguirão suportar as despesas diárias.
Recordo que um trabalho apresentado por Agostinho Silvestre VII Congresso Português de Sociologia, realizado este ano, mostrava que ter trabalho já não constitui factor de protecção contra a pobreza, constituindo-se mesmo como mais um mecanismo de “aprofundamento das desigualdades sociais”.
Em 2010, 12% dos trabalhadores portugueses viviam abaixo do limiar de pobreza sendo que em 2011, 16% das pessoas que usufruíram do Rendimento Social de Inserção (35.015), acumularam este apoio com rendimentos do trabalho, o que significa aumento da pobreza entre pessoas com trabalho.
Este cenário, afirmou Agostinho Silvestre, exige um repensar sério e aprofundado dos modelos de desenvolvimento, dos modelos de organização do trabalho e dos apoios sociais, pois não voltaremos a sociedades de pleno emprego.
De facto, temos vindo a assistir à emergência de "novos pobres", muitos milhares de pessoas que apesar de terem emprego têm salários extremamente baixos e que, mercê dos cortes e aumentos realizados e prometidos, se sentem e vivem numa condição de pobreza não antecipada pelo que cresceram exponencialmente os casos do que se pode chamar de “pobreza envergonhada”, devido, naturalmente, aos níveis de desemprego mas também decorrentes, à falta de qualidade do emprego, aumento de impostos e perdas salariais. São pessoas que se julgavam a coberto deste tipo de riscos e que sentem um embaraço pessoal e social enorme para assumir as dificuldades porque passam.
Este cenário é absolutamente extraordinário e ameaçador da dignidade. De facto, umas das consequências menos quantificáveis das dificuldades económicas, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de três milhões de portugueses sentem e o facto também conhecido de que um terço das famílias tem um orçamento encostado ao limiar de pobreza, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra.
Neste quadro importa ainda a coragem de, mais uma vez, ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, diminuir efectivamente o fosso intolerável entre os mais ricos e mas pobres, caminhar no sentido da construção de uma dimensão ética que seja reguladora da atribuição de privilégios incompreensíveis e obscenos para poucos e tolerância face a situações de exclusão extrema para bastantes outros.

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