A propósito do recente despacho
do MEC sobre o calendário de operacionalização das metas curriculares, a Associação
dos Professores de Matemática vem afirmar que as metas curriculares não só
“contrariam substancialmente o programa de Matemática do ensino básico”, em vigor
desde 2010 como implicam “desvalorização
de capacidades de exigência cognitiva mais elevada, como a compreensão e a
aplicação de conhecimentos e a resolução de problemas”, privilegiando “a
memorização dos factos e procedimentos”. Afirma ainda que representam um
retrocesso no ensino comprometendo os resultados positivos que os últimos dados
dos estudos comparativos internacionais demonstraram.
Ainda sobre este tema, relembro
que também os autores do Programa de Matemática expressaram a sua posição
crítica, assim como a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação
Matemática referiu a desactualização das metas curriculares estabelecidas e
criticou o facto de se substituir as metas de aprendizagem em fase de
experimentação sem o óbvio processo de avaliação.
Como já referi, não tenho conhecimentos para
analisar a bondade de argumentação sobre os conteúdos das metas, mas, como já
fiz, retomo algumas notas de natureza mais genérica.
As metas curriculares podem funcionar como uma
ferramenta orientadora e muito útil para o trabalho de alunos e professores.
Para que tal aconteça, para além do seu ajustamento aos programas em vigor,
importa que, lembrando João dos Santos, sejam de simples utilização e
operacionalização.
Vejamos o exemplo do 1º ciclo e apenas Matemática.
No que respeita à Matemática são definidos 3 domínios
que se desdobram como segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13 objectivos e 62
descritores, no 2º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82 descritores, no
3º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no 4º ano em 6
sub-domínios, 15 objectivos e 81 descritores o que em síntese corresponde a 72
objectivos e 323 descritores para Matemática do 1º ciclo.
Se juntássemos Português teríamos um total de 177
objectivos e 703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano 33 objectivos e 143
descritores; no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51 objectivos e 202
descritores e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. É obra, uff.
Por outro lado, como também já escrevi, a lógica
de elaboração das metas curriculares remete para uma lógica de ano de
escolaridade e não de ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja os objectivos
são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao
MEC, acontecem exactamente no final de ciclo. A definição exaustiva de metas curriculares
por ano de escolaridade faz emergir o risco de uma leitura fechada, relembro
que serão obrigatórias a partir de 2013/2014.
Este entendimento pode levar a que o ensino se
transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas
estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias,
entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se,
com a realização de exames todos os anos. Aliás, neste contexto é preocupante a
afirmação dos autores das metas curriculares, de que estas estabelecem o que os
alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o
ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”.
Este cenário, aplicado a turmas do 1º ciclo, com
26 alunos (os agrupamentos e mega-agrupamentos assim o determinarão em muitos
casos), algumas com alunos de diferentes anos de escolaridade, com ritmos e assimetrias
nos seus percursos e competências, deixa-me uma imensidade de dúvidas sobre a
aplicação das metas curriculares, tal como estão definidas, não esquecendo que
ainda faltam as respeitantes às outras áreas do currículo.
Se por acaso algum ou alguns professores do
1ºciclo lerem estas notas, gostava de saber a sua apreciação.
Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos
anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está longe de acontecer, devo confessar
que estou apreensivo tal como os autores do Programa de Matemática e a
Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática e a Associação dos
Professores de Matemática.
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