No Público de hoje divulga-se um trabalho muito
interessante “Do Campo ao Garfo – Desperdício Alimentar em Portugal que será divulgado
ciclo de conferências em curso da Fundação Gulbenkian sobre o futuro da
alimentação.
Creio que por mais atento que estejamos
dificilmente admitimos que desperdiçamos cerca de um milhão de toneladas de
alimentos por ano entre a produção e o consumo.
Creio que muitas vezes achamos que desperdício é
coisa de gente rica, os pobres não não desperdiçam o que, obviamente, não
corresponde à realidade como o estudo evidencia.
O desperdício é um subproduto dos modelos de
desenvolvimento e dos sistemas de valores que deveria merecer uma fortíssima
atenção.
Há algum tempo, o Parlamento Europeu aprovou um
relatório segundo o qual a União Europeia que tem 79 milhões de pessoas a viver
abaixo do limiar de pobreza, 15,8% da população, e desperdiça anualmente cerca
de metade do que consome em alimentos. Este desperdício corresponde a 89 mil
milhões de toneladas, um número verdadeiramente assombroso. O Parlamento
Europeu estabelece como objectivo para a Comissão reduzir em 50% o desperdício
até 2025.
Relembro que 2010 foi o Ano Europeu de Combate à
Pobreza e Exclusão e o resultado está à vista, 79 milhões de pobres, cerca de
2,7 milhões em Portugal. Parece-me também oportuno recordar que recentemente
também a Comissão Europeia publicou um relatório mostrando como as medidas de
austeridade em Portugal estão a agravar as assimetrias sociais. Aliás, também
hoje se conhece o apelo de vários ministros dos assuntos sociais de países
europeus que na Convenção Europeia contra a Pobreza e Exclusão contra as
políticas de cortes nas áreas sociais de que eles, alguns deles, também são
responsáveis.
Quando tanto se fala de produtividade, em nome da
qual, se ameaça a dignidade das pessoas e se lhes piora as condições de vida
talvez fosse altura de também nos centrarmos no desperdício e nos seus efeitos
devastadores.
Neste quadro releva a necessidade urgente de
ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, combater
desperdícios consequência desses modelos, diminuir efectivamente o fosso
intolerável entre os mais ricos e mas pobres, caminhar no sentido da construção
de uma dimensão ética que seja reguladora da atribuição de privilégios
incompreensíveis e obscenos para poucos e tolerância face a situações de
exclusão extrema para bastantes outros.
Este estudo é uma peça importante e um contributo
caseiro, próximo de nós, para esta necessidade de repensar os modelos de
desenvolvimento e a cultura em matéria de produção e consumo de produtos
alimentares.
Provavelmente, escrever sobre estas questões em
espaços desta natureza tem alcance zero, mas continuo convencido que é
fundamental não deixar cair a preocupação, talvez seja melhor chamar-lhe a
indignação, com a pobreza e exclusão para as quais os níveis inaceitáveis de
desperdício dão um forte contributo.
Sem comentários:
Enviar um comentário