Embora a escrita que vou deixando no Atenta
Inquietude sempre remeta para a realidade nacional, alguns episódios ocorridos
fora de portas têm merecido referência esporádica pelas suas implicações, mesmo
para nós. É o caso de hoje com a tragédia numa escola primária nos EUA em que um
indivíduo de 20 anos, aumenta a perplexidade, terá assassinado dezenas de pessoas na maioria crianças.
Estaremos ainda todos bem lembrados de uma outra
tragédia em Oslo, um indivíduo, jovem, aparentemente discreto, matou friamente
umas dezenas de jovens participantes num encontro partidário. Na altura, para
além do sentimento de dor e perda, creio que perplexidade terá sido o que
melhor caracterizou a sociedade norueguesa, aliás, patente nos testemunhos
ouvidos na imprensa. Porquê? Porquê na Noruega, comunidade aberta, tolerante e
segura? Porquê um norueguês e não um terrorista associado a redes conhecidas?
Porquê? Porquê? As mesmas perguntas colocadas pelos habitantes da cidade de Newtown confrontados com a tragédia de hoje.
A dificuldade de responder a estas questões é da
mesma ordem da dificuldade de encontrar meios seguros de evitar tragédias deste
tipo. O episódio, com contornos semelhantes ao protagonizado por Timothy
McVeigh que em Oklaoma, em 1995, causou 180 mortos e mais de 600 feridos,
assumido por uma só pessoa, inteligente, socialmente integrada, numa sociedade
aberta é, de facto, muito difícil de prevenir.
Lembram-se também dos distúrbios graves ocorridos
no ano passado em Inglaterra protagonizados fundamentalmente por jovens, que
também deixou a sociedade surpreendida e sem saber muito bem como reagir ou
intervir perante o envolvimento de crianças e adolescentes em comportamentos
surpreendentes pelo grau de destruição e pela ausência de controlo. Os comportamentos
observados assemelham-se grotescamente a um videojogo violento com personagens
reais.
Também em França têm ocorrido episódios de
extrema violência num dos quais um jovem de 24 anos executou várias pessoas, algumas das quais crianças.
Em Portugal têm ocorrido vários casos de
violência extrema envolvendo jovens levando-nos questionar os nossos valores,
códigos e leis pela perplexidade que nos causam.
A questão que me leva a estas notas é mais no
sentido de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do
mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na adolescência, a
partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas
mas que, devagarinho, insidiosamente, começam interiormente a ganhar contornos
que identificam os alvos, por vezes difusos, sentidos com os causadores desse
mal-estar.
A fase seguinte pode passar por duas vias, uma
mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar
esse mal-estar, nessa altura já ódio e agressividade, ou, a outra via, aumenta
exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio numa escola, a
bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou o ataque a uma concentração
de jovens de um partido que representa o "mal" ou a vinda para a rua
numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa
nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente.
Por mais policiada que seja uma sociedade é
extraordinariamente difícil prevenir processos desta natureza em que o mal se
vai incubando e em que as ferramentas de acção são acessíveis. Provavelmente, a
questão não é abdicar da abertura e da tolerância que caracteriza a nossa
sociedade elevando o policiamento das comunidades a níveis asfixiantes. A
questão, este tipo de questões, a iniciativa individual de natureza terrorista,
ou os movimentos grupais descontrolados e reactivos, passará sobretudo por uma
permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto
quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se
percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Na Noruega, na Inglaterra, nos Estados Unidos, em
França ou em Portugal.
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