quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

CLANDESTINOS

Estava aqui no meu sótão à procura de umas letras que compusessem um texto e ao pegar num disco que me fizesse companhia, os dedos trouxeram o Manu Chao que a certa altura me falou de Clandestino, ideia que se instalou na cabeça e na inquietude.
Na sociedade portuguesa a condição de clandestinidade foi, há muitos anos, o refúgio de muita gente por razões conhecidas, mas, por vezes, esquecidas. A democracia viria, esperávamos, a acabar com esta condição.
Passados muitos anos, estranhamente, creio que nunca como agora a clandestinidade acolheu tanta gente.
Estou a lembrar-me de miúdos em dificuldades que vivem clandestinamente nas escolas, sem ajudas e com os seus direitos atropelados por políticas incompetentes e delinquentes.
Estou a lembrar-me de miúdos que vivem em famílias de que não sentem fazer parte.
Estou a lembrar-me de miúdos, demasiados miúdos, que vivem clandestinamente em instituições que, mantendo-os assim, se justificam e eternizam.
Estou a lembrar-me de miúdos que, clandestinamente, são vítimas de abusos e maus tratos, muitos deles, por parte de gente de quem só sabiam esperar apoio e afecto.
Estou a lembrar-me da imensa minoria de jovens que vivem clandestinos num mercado de trabalho que lhes adia ou rouba o projecto de vida.
Estou a lembrar-me de gente, muita gente, que vive clandestinamente do lado de fora da vida.
Estou a lembrar-me dos muitos milhares de portugueses que vivem clandestinamente numa pobreza que conhecem mas que não querem que se conheça.
Estou a lembrar-me de velhos que vivem clandestinamente sós numa vida que não querem largar mas que já os largou.
O Manu Chao só falou dos outros.

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