Estava aqui no meu sótão à procura de umas letras
que compusessem um texto e ao pegar num disco que me fizesse companhia, os
dedos trouxeram o Manu Chao que a certa altura me falou de Clandestino, ideia
que se instalou na cabeça e na inquietude.
Na sociedade portuguesa a condição de
clandestinidade foi, há muitos anos, o refúgio de muita gente por razões
conhecidas, mas, por vezes, esquecidas. A democracia viria, esperávamos, a
acabar com esta condição.
Passados muitos anos, estranhamente, creio que
nunca como agora a clandestinidade acolheu tanta gente.
Estou a lembrar-me de miúdos em dificuldades que
vivem clandestinamente nas escolas, sem ajudas e com os seus direitos
atropelados por políticas incompetentes e delinquentes.
Estou a lembrar-me de miúdos que vivem em
famílias de que não sentem fazer parte.
Estou a lembrar-me de miúdos, demasiados miúdos,
que vivem clandestinamente em instituições que, mantendo-os assim, se
justificam e eternizam.
Estou a lembrar-me de miúdos que, clandestinamente,
são vítimas de abusos e maus tratos, muitos deles, por parte de gente de quem
só sabiam esperar apoio e afecto.
Estou a lembrar-me da imensa minoria de jovens
que vivem clandestinos num mercado de trabalho que lhes adia ou rouba o
projecto de vida.
Estou a lembrar-me de gente, muita gente, que
vive clandestinamente do lado de fora da vida.
Estou a lembrar-me dos muitos milhares de
portugueses que vivem clandestinamente numa pobreza que conhecem mas que não
querem que se conheça.
Estou a lembrar-me de velhos que vivem
clandestinamente sós numa vida que não querem largar mas que já os largou.
O Manu Chao só falou dos outros.
Sem comentários:
Enviar um comentário