Algumas notas a propósito do lançamento dos livros de Maria Filomena Mónica sobre "o
inferno" das salas de aula. Apesar de me parecer interessante e imprescindível a reflexão, não simpatizo com a visão catastrofista sobre a escola pública que temos, na qual cabem os "retratos" apresentados por Filomena Mónica mas, é preciso afirmar, também cabem trajectos bem sucedidos de professores e alunos. O trabalho realizado por Filomena Mónica não permite caracterizar a escola pública correndo riscos sérios de alimentar equívocos aparecendo mascarado de ciência.
O universo da educação tem vindo
durante décadas a funcionar como uma espécie de caos organizado. O organizador
deste "caos" é a deriva política em que os caminhos da educação se
transformaram. Na verdade, a educação tem sido um terreno privilegiado do funcionamento
da partidocracia ao sabor de agendas que, frequentemente, não coincidem com o bem
estar comum e operadas por equipas que, nas mais das vezes, produzem catadupas
de legislação e mudança sem coerência ou competência, a que os fortíssimos
interesses corporativos presentes no universo da educação reagem positiva ou
negativamente conforme os seus interesses são, ou não, contemplados.
A actual equipa, chefiada por
Nuno Crato que entrou em funções usufruindo de um estado de graça conseguido
com bastante habilidade no trabalho de opinador e com a promessa de
"implodir" o Ministério, parece bem mais no caminho de fazer implodir
a educação e o ensino público através do desinvestimento e de um caminho de
privatização cada vez mais claro.
A um discurso mascarado com as
mágicas palavras de rigor, exigência e qualidade que seduzia enquanto opinador
bem acolhido por um sistema e uma opinião pública e publicada a viverem o
período delirante de Maria Lourdes Rodrigues e Isabel Alçada, tem-se seguido a
definição de uma política educativa que, em aspectos essenciais, se afigura uma
ameaça ao direito constitucional de uma educação de qualidade para TODOS os
indivíduos em idade escolar com consequências devastadoras no clima e
funcionamento das escolas.
Sabemos e compreendemos a
necessidade de combater o desperdício e conter gastos. Não compreendo nem
aceito que medidas como os mega-agrupamentos, o aumento de alunos por turma, as
mudanças curriculares que parecem, acho que são, desenhadas para poupar horas
docentes, a unidade de gestão do ensino, contribuam para a qualidade do sistema
que o Ministro Crato vê certificada por exames, exames, exames e mais exames
que se constituem como um crivo que irá expelindo todos os miúdos que nele
caiam e que acabarão num qualquer campo de "trabalhos manuais".
Por outro lado, boa parte dos
discursos produzidos pelos representantes dos professores ou dos funcionários,
são quase que exclusivamente centrados numa visão corporativa de questões
profissionais, o que não se estranha, naturalmente, é a sua vocação. No
entanto, esses discursos surgem, excessivas vezes, capturados pelos interesses
das agendas dos interesses da partidocracia subjacente, ficando pouco clara a
preocupação com a qualidade dos processos educativos.
Num país em que a literacia e a
maturidade cívica que sustentam a solidez e a força de posições de crítica e
exigência são deficitárias, a maioria dos pais está demitida do envolvimento
nos movimentos representativos dos pais pelo que as minorias mais activas
assumiram essa posição que sendo legítima não é eficaz e representativa
obedecendo, por vezes nitidamente, a agendas outras. Os outros pais, a maioria
e, sobretudo, os mais preocupados com os seus miúdos relacionam-se com a escola
em função, obviamente, das particularidades individuais dos seus educandos.
Finalmente e no que respeita aos
alunos, parece-me importante sublinhar que o quadro que descrevi anteriormente,
as consequências dos modelos de desenvolvimento que têm sido seguidos, os
sistemas de valores que temos vindo a definir, não podem deixar de se reflectir
na relação que estabelecem com a escola, ou, melhor dizendo com parte da vida
da escola.
É por esta ordem de razões que, a
não alterarmos modelos e valores de participação cívica, discursos e práticas
políticas, mais centradas no bem comum e menos centradas nos interesses da luta
pelo poder, dificilmente imagino que tenhamos, mesmo, um Ministério da Educação
centrado no que é essencial, orientação e regulação, com um aparelho leve e
eficaz, e o trabalho educativo centrado em escolas autónomas, responsáveis e
responsabilizadas perante as comunidades locais.
No entanto, não posso deixar de
registar uma palavra de optimismo. Apesar deste "caos organizado", professores
e alunos têm conseguido produzir um trabalho notável de recuperação de
resultados e competências que os estudos internacionais sublinham.
O meu filho fez toda a formação
escolar, do pré-escolar ao superior, no sistema público, com os sobressaltos próprios
destes processos mas também com o sucesso que o trabalho dele e dos professores
mereceu.
Quero confiar que o meu neto,
agora a começar a ser gente, possa seguir o mesmo caminho, frequentar uma
escola pública em que confiamos e acreditamos que o leve ao futuro.
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