sexta-feira, 21 de março de 2014

A REFORMA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL. SERÁ?

Não é que alguém razoavelmente conhecedor deste universo possa estranhar, mas a área da educação especial tem conhecido alguma agitação. Famílias e entidades prestadoras de serviços de apoio especializado queixam-se dos cortes severos por parte da Segurança Social que, argumentam, têm levado a que milhares de crianças, cerca de 12 000, estejam em forte risco de perder este tipo de apoios.
O Secretário de Estado da Solidariedade  Segurança Social nega, evidentemente, a situação, mas admite que o maior "rigor" com que os processos são tratados possam conduzir a algumas "problemas". Confesso que fico sempre preocupado quando oiço alguém da administração educativa, segurança social ou saúde, por exemplo, falar de rigor. Quase sempre significa cortes nos serviços e nos apoios às pessoas.
Nesta questão em particular parece-me que a grande discussão será sobre a adequação do modelo que está em vigor e que carece de avaliação e ajustamento.
Recordo que está em funcionamento um Grupo de Trabalho, envolvendo também elementos da Segurança Social, que terá três meses para apresentar propostas de revisão da legislação relativa à Educação Especial. Para este trabalho o Grupo terá procedido  a um estudo alargado bem como à audição de instituições e especialistas. Acrescento que fui ouvido pelo Grupo de Trabalho no decurso deste processo. Aguardemos pelos resultados.
Entretanto algumas notas repescadas de outras intervenções.
Desde logo, creio que, independentemente das mudanças legais que de há muito defendo no campo da educação especial e do apoio às dificuldades dos miúdos e famílias, muitos dos problemas actualmente sentidos, este ano lectivo tem sido particularmente difícil, não relevam exclusivamente das insuficiências ou problemas de legislação, mas das decisões políticas que estão para além da própria legislação, como o corte de professores, técnicos e funcionários, a colocação de mais alunos com NEE numa turma do que a legislação determina ou o não respeito pelo que também está legalmente determinado em matéria de redução de alunos por turma quando existem alunos com NEE. A questão da legislação, para além da sua qualidade, implica, evidentemente, o seu cumprimento. Talvez o MEC tenha de reformular o seu entendimento sobre o que é uma lei.
Recordo ainda que o OGE para 2014 para a Educação contempla menos perto de 20 milhões de euros considerando o MEC e a Segurança Social, mais uma vez não é um problema de legislação é de decisão política.
Relembro que em Julho de 2013 foi conhecido o Relatório da Inspecção-geral da Educação e Ciência, Educação Especial: Respostas Educativas, respeitante ao ano 2011/2012.
A avaliação envolveu 97 agrupamentos e escolas nas quais existiam 3489 turmas com alunos com necessidades educativas especiais integrados e apenas metade tinham a redução de alunos prevista na lei. Nada de estranho, como é sabido, o Ministro Nuno Crato acredita que turmas grandes favorecem o sucesso educativo, mesmo o de alunos com necessidades especiais.
No mesmo Relatório identificavam-se alguns constrangimentos, alunos cegos ou com baixa visão sem acompanhamento adequado ou mesmo sem ensino de braille ou de orientação e treino de mobilidade, escolas que recebem alunos surdos sem ensino de Língua Gestual Portuguesa ou sem intérprete, a maioria das escolas não estrutura programas de transição para chamada vida activa, pós-escolar, não promovendo eficazmente projectos de integração social que seriam desenvolvidos em parceria com outras instituições. Este facto, que não me surpreende, lamentavelmente, decorre de um dos equívocos estabelecidos nos últimos anos neste universo, as Parcerias Público Privadas para a inclusão. O Relatório refere ainda a insuficiência de professores, técnicos e intérpretes para o número de alunos com necessidades especiais a frequentar as escolas analisada.
O ano de 2012/13 desenvolveu-se nos mesmos parâmetros e o ano lectivo em curso foi catastrófico no seu início e continua com enormes problemas, falta de respostas, professores, funcionários, transportes, técnicos, desrespeito pelos próprios normativos relativos o número de alunos por turma, quer no que respeita aos alunos com NEE quer no que respeita aos seus colegas, etc. 
É também verdade que, sempre o afirmei, que com base num incompetente normativo que carece de urgente revisão, o lamentável Decreto-Lei 3/2008, temos milhares de crianças com necessidades de apoio educativo e que estão abandonadas e "entregadas" em vez de integradas, pese o empenho de muitos profissionais dedicados. Este cenário acontece muito por força do que o Relatório da IGE aponta, falta de formação, de recursos e de estratégias concertadas e consistentes de acolhimento das diferenças dos miúdos diferentes, mais diferentes.
Também tenho a convicção e o conhecimento de que esta legislação e a sua interpretação inibem, em muitas circunstâncias, a prestação de apoios a crianças que deles necessitam, quer por via da gestão de recursos com base na definição de taxas de prevalência de problemas fixadas administrativamente e sem qualquer correspondência com a realidade, quer pelos modelos de organização de respostas que impõe.
A minha reserva, confesso, é que conhecendo nós o que tem sido a prática “reformista” do MEC, a revisão da legislação possa não se realizar no sentido mais adequado, temos muitos exemplos, a reforma curricular é apenas um deles.
A forma como está, em muitas situações, a ser colocada em prática a extensão da escolaridade obrigatória até aos 18 anos para muitos alunos com necessidades especiais é também pouco aceitável em termo de educação inclusiva, qualidade e respeito pelos direitos dos miúdos e famílias.
Entendo também que a prestação de serviços educativos, na área da psicologia por exemplo, em "outsourcing" ou as parcerias estabelecidas com as instituições assentam num enorme equívoco que os cortes orçamentais tornaram evidentes as dificuldades e o desajustamento do modelo escolhido, que na altura designei como um logro criado junto das instituições privadas que intervinham na área da educação especial e ao qual, por razões também económicas e de sobrevivência, tiveram de aderir.
É este, do meu ponto de vista, um retrato possível e breve do universo que está em análise.
Esperemos os resultados e as decisões decorrentes. Gostava de ser optimista, mas … 

4 comentários:

Anónimo disse...

E já que se fala em Educação Especial e em Necessidades Educativas Especiais porque não GRITAR para relembrar que as crianças com capacidades excecionais (sobredotadas) não têm direito a qualquer acompanhamento legal?????
Paula

Zé Morgado disse...

Olá Paula, o meu discurso envolve as dificuldades experimentadas por TODAS as crianças

Anónimo disse...

Olá.
Referiu que foi ouvido pelo grupo de trabalho que está encarregue de proceder a esta dita reestruturação. Pareceu-lhe terem noção, por pequena que seja, que a realidade dos alunos com alínea b) não se compadece com nada do que está definido para um secundário? Que os CEF não são, de todo, para estes alunos pese embora tenham de andar na escola até aos 18 anos?
Estas são questões que me preocupam pois, na verdade, mais do que serem 30 alunos dentro da sala, a realidade é que nada está, devidamente, adequado a eles.

Zé Morgado disse...

Apesar de, como disse, querer ser optimista, o que o MEC tem vindo a realizar não autoriza grandes expectativas