Um conjunto significativo de figuras com diferente
posicionamento partidário, envolvendo também empresários, patrões,
sindicalistas, académicos e constitucionalistas divulgou um manifesto em que se defende a “reestruturação responsável da dívida” como condição
imprescindível ao crescimento económico e emprego e constituindo uma
alternativa aos modelos assentes na austeridade e no empobrecimento. Este
pouco habitual consenso foi estabelecido fora dos aparelhos partidários embora
envolva figuras muito significativas de diferentes partidos, do CDS-PP ao BE.
Como seria previsível, o Primeiro-ministro e o genial
Ministro Poiares Maduro reagiram firmemente à ideia apelidando-a de “irrealista”
e “contrária aos interesses nacionais”, mobilizando uma retórica velha mas que
está em retoma, “se não estão de acordo connosco são irrealistas e estão contra os
interesses nacionais”.
A questão de fundo é que a partidocracia instalada leva a
que, na generalidade das matérias, os interesses partidários imediatos se
sobreponham aos interesses gerais, a conflitualidade que sendo importante e
muitas vezes estimulante e promotora de mudança, é assente em corporações de interesses
e clientelas que inibem a definição de rumos e de perspectivas que visem o
interesse geral. O Presidente da República, o Primeiro-ministro, os parceiros
sociais, as lideranças partidárias e sociais sabem-no bem, fazem parte do
sistema, pelo que os seus discursos se inscrevem no próprio funcionamento do
sistema e que conduz ao que temos, sendo que as alternativas prováveis não são
particularmente animadoras.
A conflitualidade inerente aos interesses da partidocracia e
as visões do que se tem vindo a chamar a reforma do estado, que acabam por se
direccionar sobretudo para o chamado estado social e a sua profunda alteração,
tornam obviamente impossível o estabelecimento formal do tal entendimento
alargado ou consenso.
O que a história a autoriza a considerar como plausível, é a
definição de cenários de poder que, com base numa
"negociação" mais ou menos discreta e que não ameace a alternância de
governo por parte dos chamados partidos do arco do poder pois, em substância, a
questão é justamente o poder. As experiências governativas envolvendo
"entendimentos" entre PS e PSD mostram isso mesmo, morrem, pois
acabam por não "servir" a nenhum deles.
Assim sendo, os partidos, movimentos ou cidadãos que não têm
voz nos corredores do poder, ficarão sempre de fora do entendimento ou do
consenso pelo que o poder mesmo que em alternância, é a democracia a funcionar,
dirão, acaba por estar basicamente nas mesmas mãos, sendo que estes que não
"chegam" a estar representados no poder são a maioria.
Não vale a pena, pois, dar excessiva importância aos apelos
a entendimentos e consensos alargados pois, como a reacção ao manifesto evidencia, não servem os
interesses imediatos da luta pelo poder e não passam de retórica gasta e,
naturalmente, sem consequências.
As implicações de tudo isto na vida das pessoas ... bom,
isso é uma outra história bastante mais preocupante e dramática.
Parece-me cada vez mais urgente a reflexão sobre os modelos
de organização da actividade política, alimentador da partidocracia instalada,
sobretudo na importância de promover a emergência de formas de participação
cívica fora dos aparelhos partidários, é o que melhor se adequa à construção de
sociedades modernas, abertas, participativas e preocupadas com a vida
colectiva. Tal caminho criaria também uma pressão externa para a reforma dos
discursos e praxis próprios partidos.
A "desilusão" e "descrença" com a
democracia parece-me na verdade algo de preocupante, instalando de mansinho um
caldo de cultura favorável à emergência de derivas de natureza não democrática
de contornos populistas e demagógicos, produtos altamente perigosos e
inflamáveis.
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