“É uma farsa imposta por burocratas para justificarem a sua
própria existência”, disse José Manuel Silva, alertando para as crescentes
dificuldades dos médicos – com listas de 1.900 doentes – que são obrigados a
preencher cada vez mais itens no computador e, por isso, a não terem tempo para
observarem os doentes." (No I)
Nos últimos tempos, as questões da saúde têm estado na agenda pelas piores razões, esperas inaceitáveis nas urgências hospitalares, dificuldades no acesso aos medicamentos mais recentes, atraso na realização de exames como colonoscopias com consequências gravíssimas, etc.
Como é evidente, todas estas situações estão associadas ao quadro económico que atravessamos e às políticas agressivas de austeridade que têm vindo a ser impostas embora o Ministro da Saúde se esforce por nos convencer de que consegue “fazer omeletes sem ovos”, por assim dizer.
No que concerne aos gastos com a saúde recordo que considerando os países da Europa ocidental, Portugal tem o gasto per capita mais baixo, 2690 dólares, cerca de 1990 euros.
A este propósito, os custos da saúde, relembro ainda um Relatório da OCDE, divulgado em Fevereiro de 2013, “Health Spending Growth at Zero –Wich Countries, which sectors are most affected?” com alguns dados interessantes. O Governo português cortou o dobro do que estava definido no negócio acordado com a Troika. As contas portuguesas do sector da saúde terão caído em 2011 5,2% face a 2010, a média de toda a OCDE foi um crescimento de 0,7%. Em 2013 a saúde teve 5,1% do PIB, a média da zona euro é de 7%. Estes dados são elucidativos da política de cortes, custe o que custar e que continuam e se acentuam.
O mesmo relatório alerta para os impactos a prazo, sobretudo quando se atravessa um período alargado de perdas muito significativas do rendimento disponível das famílias. Aliás, é importante referir que, ainda de acordo com a OCDE, em 2010, já bem dentro do quadro de dificuldades, os portugueses continuavam a ser dos que mais pagam directamente do seu bolso despesas com saúde, 26% face aos 20,1% da média dos 34 países da OCDE.
Estes dados, apesar de desmentidos pelo Ministério da Saúde, parecem-me extremamente importantes no âmbito da discussão em aberto sobre a reforma do estado e das suas funções e o quadro a que estamos a assistir.
Na verdade, quando tanto se questiona os fundamentos do estado social e o peso destas funções no OGE, parece razoavelmente claro que Portugal tem, no sector da saúde mas não só, um investimento inferior ao de outros países.
Quando sempre que se decidem cortes, a saúde, tal como outras áreas sociais, são alvos privilegiados, os dados do Relatório da OCDE sustentariam outro caminho.
Embora seja importante ponderar a organização, eficácia e custos do chamado estado social, por exemplo na saúde, é fundamental perceber e entender que a comunidade tem sempre a responsabilidade ética de garantir a acessibilidade de toda a gente aos cuidados básicos de saúde. Os tempos que atravessamos criando obstáculos ao acesso aos serviços de saúde a que se acrescentam as dificuldades criadas aos próprios serviços no sentido garantirem o cumprimento da sua missão são ameaçadores dos padrões mínimos de bem-estar e qualidade da assistência em matéria de saúde.
Como afirma Michael Marmot, que há algum tempo esteve em Portugal, todas as políticas podem, ou devem, ser avaliadas pelos seus impactos na saúde.
Talvez a ideia do "custe o que custar" fosse de repensar, pela nossa saúde.
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