Segundo dados da Estratégia
Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem Abrigo do Instituto de
Segurança Social, durante 2013 foram acompanhadas 4420 pessoas nesta situação a
que acresce 852 pessoas contabilizadas em Lisboa pela Misericórdia.
Segundo as entidades que lidam
com esta problemática, este número, apesar de representar um aumento exponencial
face ao recenseamento de 2011 que identificou 696 pessoas, peca
por defeito pois é extraordinariamente difícil conhecer todas as situações.
Quando se realizou o recenseamento em Lisboa a vereadora responsável afirmava, "Está
a verificar-se um aumento significativo da população sem abrigo, por razões de
desorganização das suas vidas. Não tem só a ver com habitação, mas também por
desemprego, problemas familiares, adições, tudo misturado. Cada vez mais, mesmo
por penúria económica, incapacidade de pagar, algumas pessoas fazem parte de
uma pobreza envergonhada". Esta situação passar-se-á,
provavelmente, noutras regiões.
Também algum tempo antes, a
Directora da Acção Social da Misericórdia de Lisboa afirmava que o perfil das
pessoas sem abrigo em Lisboa se tem vindo a alterar envolvendo pessoas mais jovens
e sem problemas de saúde mental ou toxicodependência, surgindo com progressiva
frequência casais ou famílias. Devido à reserva dos próprios e à instabilidade
da sua luta pela sobrevivência é difícil ter uma estimativa realista do número
de pessoas nesta situação. Aliás, essa dificuldade já se tinha feito sentir com
a realização dos Censos de 2011 cujo apuramento, pecou, de acordo com as
instituições, por defeito.
Esta gente que vai caindo na rua
não teve tempo de se entusiasmar com a expectativa do regresso aos mercados e
com a ideia de que o país está melhor e mostra de forma muito evidente as suas
características de resistência e os limites, o melhor povo do mundo é assim,
dando suporte ao modelo de Fernando Ulrich e tornando-se alguns dos mais bem
preparados cidadãos para os tempos que atravessamos, vivem do nada.
Na verdade, os desabrigados não têm nada,
aguentam tudo e só são notícia quando chegam as vagas de frio ou quando
aparecem gratos e contentes naqueles jantares oferecidos no Natal que quase
sempre compõem indecorosos espectáculos mediáticos.
Continuam os tempos de chumbo, os
tempos da indignidade.
Por outro lado e voltando à
dificuldade em contabilizar o universo dos sem abrigo, apesar da tentativa de
rigor e empenhamento dos procedimentos, essa dificuldade decorre de várias
razões como há algum tempo escrevi.
São muitos, os sem abrigo num
porto que os acolha, uma casa, um espaço a que possam dar vida e que lhes apoie
a vida, uma família.
São muitos, os sem abrigo, mesmo
em famílias e em instituições.
São muitos, os sem abrigo no
afecto, nos afectos, sem um coração que os abrigue.
São muitos, os sem abrigo em
mundos que não são seus. São muitos, os sem abrigo em culturas que não
entendem.
São muitos, os sem abrigo num
corpo que seja aconchego para o seu corpo.
São muitos, os sem abrigo em
valores que predominam mas não reconhecem.
São muitos, os sem abrigo em
vidas que lhes não pertencem mas carregam. São muitos, os sem abrigo no aceder
e no gostar das coisas de que a vida também se tece.
Muitos destes sem abrigo vivem à
nossa beira, sem abrigo, não contabilizados, nem contabilizáveis.
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