segunda-feira, 17 de março de 2014

A QUALIDADE DA DEMOCRACIA REVISTA EM BAIXA

Sem surpresa, dados agora divulgados no âmbito do European Social Survey (avaliação da qualidade e significado da democracia em 23 países), em Portugal sob a responsabilidade pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa), mostram um grau significativo de insatisfação dos portugueses relativo a várias dimensões da democracia em Portugal.
"Os maiores défices apercebidos situam-se no domínio do funcionamento dos tribunais, na capacidade dos governos assegurarem justiça social e num sentimento de falta de controlo popular do poder político", ou seja, os cidadãos inquiridos sentem que as decisões políticas escapam ao seu escrutínio e participação.
Antes de algumas notas registar que estes dados são coerentes com os dados divulgados em Janeiro de 2012 do estudo "A Qualidade da Democracia em Portugal: a Perspectiva dos Cidadãos", também do Instituto de Ciências Sociais. De facto, 56% dos inquiridos entendiam que a democracia é o melhor sistema mas 65% mostravam-se pouco ou nada satisfeitos com a democracia e 70,4% consideravam que a crise veio afectar a qualidade da democracia.
Como já tenho afirmado, creio que a degradação da qualidade da nossa democracia assenta em três questões fundamentais que telegraficamente refiro e que me parecem justamente na linha dos dados hoje conhecidos.
Em primeiro lugar, a nossa organização política tem vindo a transformar a democracia política numa partidocracia. A participação cívica e política dos cidadãos depende quase exclusivamente do controlo dos aparelhos partidários. Este controlo, assente no quadro legal e na administração dos interesses pessoais, tem vindo a afastar franjas significativas da população da intervenção cívica e política como atestam os crescentes e elevados níveis de abstenção.
Em segundo lugar, existe uma área do nosso funcionamento cujo mau desempenho contribui decisivamente para a degradação da qualidade da vida cívica. Refiro-me à justiça. De um modo geral o sistema de justiça é percebido como moroso, ineficaz, cheio de manhas e alçapões que acabam por beneficiar os mais poderosos e criar um trágico sentimento de impunidade e desconfiança.
O terceiro aspecto prende-se com os efeitos dos modelos de desenvolvimento económico e político que, apesar de enquadrados numa democracia política, comprometem seriamente uma ideia de democracia económica na medida em que produzem exclusão e pobreza que afecta e ameaça muitos portugueses e que a actual situação veio expor e potenciar de forma dramática.
Sintetizando, do meu ponto de vista, as verdadeiras causas da degradação da qualidade da nossa democracia remetem para os efeitos da partidocracia, do sistema de justiça e das questões decorrentes da pobreza e exclusão.
É ainda interessante cruzar estes dados com um outro estudo, "Percepções sobre a União dos Portugueses", também hoje conhecido, promovido pela Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e realizado pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica e pela empresa Ipsos Apeme. O trabalho pretendia perceber "se os portugueses estão ou não unidos, o que os une e o que os consegue mobilizar"
Em síntese, os inquiridos evidenciam uma forte ligação e orgulho no país mas significativa falta de confiança no sistema político e económico actual, que "é mesmo encarado com embaraço e vergonha".
Decididamente, a qualidade da nossa vida cívica foi mesmo revista em baixa.
Bons motivos para nos inquietarmos com  a continuidade de algumas políticas, discursos e comportamentos.

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