Sem surpresa, dados agora
divulgados no âmbito do European Social Survey (avaliação da
qualidade e significado da democracia em 23 países), em Portugal sob a
responsabilidade pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa), mostram um grau significativo de insatisfação dos portugueses relativo a várias
dimensões da democracia em Portugal.
"Os maiores défices
apercebidos situam-se no domínio do funcionamento dos tribunais, na capacidade
dos governos assegurarem justiça social e num sentimento de falta de controlo
popular do poder político", ou seja, os cidadãos inquiridos sentem que as
decisões políticas escapam ao seu escrutínio e participação.
Antes de algumas notas registar
que estes dados são coerentes com os dados divulgados em Janeiro de 2012 do estudo
"A Qualidade da Democracia em Portugal: a Perspectiva dos
Cidadãos", também do Instituto de Ciências Sociais. De facto, 56% dos
inquiridos entendiam que a democracia é o melhor sistema mas 65% mostravam-se pouco
ou nada satisfeitos com a democracia e 70,4% consideravam que a crise veio
afectar a qualidade da democracia.
Como já tenho afirmado, creio que
a degradação da qualidade da nossa democracia assenta em três questões
fundamentais que telegraficamente refiro e que me parecem justamente na linha
dos dados hoje conhecidos.
Em primeiro lugar, a nossa
organização política tem vindo a transformar a democracia política numa
partidocracia. A participação cívica e política dos cidadãos depende quase
exclusivamente do controlo dos aparelhos partidários. Este controlo, assente no
quadro legal e na administração dos interesses pessoais, tem vindo a afastar
franjas significativas da população da intervenção cívica e política como
atestam os crescentes e elevados níveis de abstenção.
Em segundo lugar, existe uma área
do nosso funcionamento cujo mau desempenho contribui decisivamente para a
degradação da qualidade da vida cívica. Refiro-me à justiça. De um modo geral o
sistema de justiça é percebido como moroso, ineficaz, cheio de manhas e
alçapões que acabam por beneficiar os mais poderosos e criar um trágico
sentimento de impunidade e desconfiança.
O terceiro aspecto prende-se com
os efeitos dos modelos de desenvolvimento económico e político que, apesar de
enquadrados numa democracia política, comprometem seriamente uma ideia de
democracia económica na medida em que produzem exclusão e pobreza que afecta e
ameaça muitos portugueses e que a actual situação veio expor e potenciar de
forma dramática.
Sintetizando, do meu ponto de
vista, as verdadeiras causas da degradação da qualidade da nossa democracia
remetem para os efeitos da partidocracia, do sistema de justiça e das questões
decorrentes da pobreza e exclusão.
É ainda interessante cruzar estes
dados com um outro estudo, "Percepções sobre a União dos Portugueses", também hoje conhecido, promovido pela
Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e realizado pelo Centro de Estudos e
Sondagens de Opinião da Universidade Católica e pela empresa Ipsos Apeme. O
trabalho pretendia perceber "se os portugueses estão ou não unidos, o que
os une e o que os consegue mobilizar"
Em síntese, os inquiridos
evidenciam uma forte ligação e orgulho no país mas significativa falta de confiança
no sistema político e económico actual, que "é mesmo encarado com embaraço
e vergonha".
Decididamente, a qualidade da
nossa vida cívica foi mesmo revista em baixa.
Bons motivos para nos
inquietarmos com a continuidade de
algumas políticas, discursos e comportamentos.
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