domingo, 23 de março de 2014

A JUSTIÇA EM MODO LENTO, DEVAGARINHO, ATÉ À PRESCRIÇÃO FINAL


No ano de 2012 nos tribunais portugueses 752 arguidos escaparam a uma eventual condenação por prescrição do crime. É ainda de registar que estes número apenas se refere à prescrição numa fase do processo pelo que se considerarem todas as fases possíveis os número subirão.
Nos últimos dias tem sido notícia a prescrição ou o risco de prescrição em processos envolvendo figuras públicas ligas à banca e em processos de enorme dimensão e gravidade.
Complementando, entre 2008 e 2010, 5341 arguidos não foram condenados por prescrição dos crimes de que estavam acusados sendo que em 2009 a prescrição evitou a condenação de 1489 arguidos já condenados em primeira instância.
Recordo um Relatório da OCDE, de Junho de 2013, que mostrava que em Portugal, um processo demora 425 dias, em média, a ser resolvido nos tribunais de primeira instância, o segundo mais moroso antes da Itália.
Neste âmbito, morosidade da justiça, tem acontecido com alguma frequência a aplicação por parte do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de multas a Portugal por atraso excessivo na decisão de um processo judicial.
A própria Ministra da Justiça afirmou há tempos que em Portugal "ainda existe uma justiça para ricos e uma justiça para pobres". Esta afirmação apenas surpreende por vir da ... responsável pela justiça em Portugal o que não quer, evidentemente, significar da responsável pelo estado a que a justiça em Portugal chegou.
Curiosamente, o Governo já anunciou que está terminada a reforma da Justiça pelo que podemos imagina o cenário sem que se tivesse realizado a "reforma" do sistema.
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Como todos sabemos e nos indignamos, quase todos, ecidentemente, são recorrentes a demora, a manha nos processos judiciais com a utilização de legislação complexa, ineficaz e cirurgicamente construída para ser manhosamente usada por quem a construiu que, com base em expedientes dilatórios, promove a injustiça, ou seja, é uma justiça manifestamente marcada pelas desigualdades de tratamento como a Ministra referiu, etc. São recorrentes os exemplos que, lamentavelmente, já não nos surpreendem, não nos sobressaltam. Quando muito, dedicamos-lhe um encolher de ombros a suportar um pensamento telegráfico, "mais um". Veja-se o que tem sido o trajecto de alguns processos mais mediatizados.
Parece-me ainda de relembrar um relatório de 2011, creio que também da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça no âmbito do Conselho da Europa, que, para além de referir a morosidade, revelava que, curiosamente, somos um dos países com um rácio maior de profissionais de justiça por 100 000 habitantes, 294.9, (envolve juízes, advogados, procuradores e notários). É notável, este facto transmite a ideia que esta gente toda se atropela, engarrafando processos e procedimentos.
É verdade que foram recentemente introduzidas alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal que, não sendo um especialista, não consigo avaliar do seu eventual impacto no cenário actual. No entanto, continuo a entender que não existe uma determinação sólida e consensual de alteração da teia de ineficiência que é a nossa justiça apesar da retórica das afirmações. Sofrem os cidadãos individualmente e sofre a qualidade da vida cívica de um país que percebe o seu sistema de justiça como forte com os fracos, fraco com os fortes, moroso, ineficaz e, definitivamente injusto. É mau, muito mau.
Apesar de sucessivos discursos sobre o que se tem passado ao longo de décadas no sistema de justiça português, a situação existente fez bater no fundo os níveis de confiança e credibilidade. 

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