segunda-feira, 31 de março de 2014

A HISTÓRIA DO CHUMBADO

Um dia, o Professor Velho, aquele que está na biblioteca e fala com os livros, ia a passar no recreio da escola e reparou no ar triste de um miúdo, sozinho, sentado num bando de cimento, o único que estava à sombra.
- Estás triste?
- Estou.
- Como te chamas?
- Chumbado.
- Estás triste porquê?
- Não passei.
- Disseram-te os professores?
- Não, vi na pauta.
- Estavas à espera?
- Eu acho que tinha feito as coisas mais bem-feitas e até comecei a ter positivas. No primeiro período é que foi pior e acho que foi por causa disso que não passei.
- Porquê?
- Então Velho, houve setores que me disseram logo que não ia passar e acho que eles já não ligaram muito ao que eu fiz no terceiro período. Mas para o ano já sei como vou fazer. Vou ver se no primeiro período tento desenrascar-me melhor para os setores não ficarem à espera que eu chumbe.
- Fazes bem, Chumbado.
E o Professor Velho foi-se embora a pensar porque é que não se percebe que há miúdos que chumbam e miúdos que são chumbados.

"HA MUITA FRACA MEMÓRIA"

Como diria uma das grandes figuras da cena política portuguesa, Jorge Coelho, "Há muita fraca memória".
Por outro lado, como é sabido, o País está melhor, os portugueses, bom, uns sentem-se melhores, outros ... não. Aliás, alguns, muitos, sentem-se mesmo muito mal.
Por isso, uns e outros, hádem ter opiniões diferentes. A absolvição pela história é futuro e o presente é agora.

"Passos Coelho não sabe se a história o absolverá"
(No I)

"Estado gastou 3,5 milhões de euros com consultores externos na semana passada"
(No I)




"Mais de cinco mil pessoas sem abrigo em Portugal


(No Público)


SE CUIDAR É CARO, FAÇAM CONTAS AO DESCUIDAR

Um trabalho de hoje no Público retoma a sempre presente questão dos consumo de drogas.
De acordo com os especialistas está a verificar-se uma recaída no consumo por parte de muitas pessoas, bem como a dificuldade no acesso a consultas e programas por questões económicas. Parece também verificar-se um acréscimo no consumo de diferentes substâncias, incluindo o álcool.
Embora não possa ser estabelecida uma relação de causa-efeito, as actuais circunstâncias de vida de muita gente criam contextos de fragilidade e desesperança, favoráveis à busca de um escape que pode ser retomar o consumo ou iniciá-lo, seja do que for. A experiência de outros países mostra quadros semelhantes.
Por outro lado, para além disto importa considerar as alterações significativas que têm vindo a ser produzidas no universo das estruturas e modelos de resposta à questão da toxicodependência que, como também muitos técnicos desta área salientam, retiram eficácia por desajustamento da organização ou falta de meios e recursos, com reflexos evidentes nos casos de recaídas bem como no aumento dos comportamentos de consumo.
Como sempre afirmo, existem áreas de problemas nas comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção. A toxicodependência é uma dessas áreas. Um quadro de toxicodependência não tratado desenvolve-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exige cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e guetização. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos e difíceis de contabilizar.
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro façam as contas aos resultados do descuido. Assim sendo, dificilmente se entendem algumas opções.

OS DESABRIGADOS. Notícias do País que está melhor

Segundo dados da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem Abrigo do Instituto de Segurança Social, durante 2013 foram acompanhadas 4420 pessoas nesta situação a que acresce 852 pessoas contabilizadas em Lisboa pela Misericórdia.
Segundo as entidades que lidam com esta problemática, este número, apesar de representar um aumento exponencial face ao recenseamento de 2011 que identificou 696 pessoas, peca por defeito pois é extraordinariamente difícil conhecer todas as situações. Quando se realizou o recenseamento em Lisboa a vereadora responsável afirmava, "Está a verificar-se um aumento significativo da população sem abrigo, por razões de desorganização das suas vidas. Não tem só a ver com habitação, mas também por desemprego, problemas familiares, adições, tudo misturado. Cada vez mais, mesmo por penúria económica, incapacidade de pagar, algumas pessoas fazem parte de uma pobreza envergonhada". Esta situação passar-se-á, provavelmente, noutras regiões.
Também algum tempo antes, a Directora da Acção Social da Misericórdia de Lisboa afirmava que o perfil das pessoas sem abrigo em Lisboa se tem vindo a alterar envolvendo pessoas mais jovens e sem problemas de saúde mental ou toxicodependência, surgindo com progressiva frequência casais ou famílias. Devido à reserva dos próprios e à instabilidade da sua luta pela sobrevivência é difícil ter uma estimativa realista do número de pessoas nesta situação. Aliás, essa dificuldade já se tinha feito sentir com a realização dos Censos de 2011 cujo apuramento, pecou, de acordo com as instituições, por defeito.
Esta gente que vai caindo na rua não teve tempo de se entusiasmar com a expectativa do regresso aos mercados e com a ideia de que o país está melhor e mostra de forma muito evidente as suas características de resistência e os limites, o melhor povo do mundo é assim, dando suporte ao modelo de Fernando Ulrich e tornando-se alguns dos mais bem preparados cidadãos para os tempos que atravessamos, vivem do nada.
Na verdade, os desabrigados não têm nada, aguentam tudo e só são notícia quando chegam as vagas de frio ou quando aparecem gratos e contentes naqueles jantares oferecidos no Natal que quase sempre compõem indecorosos espectáculos mediáticos.
Continuam os tempos de chumbo, os tempos da indignidade.
Por outro lado e voltando à dificuldade em contabilizar o universo dos sem abrigo, apesar da tentativa de rigor e empenhamento dos procedimentos, essa dificuldade decorre de várias razões como há algum tempo escrevi.
São muitos, os sem abrigo num porto que os acolha, uma casa, um espaço a que possam dar vida e que lhes apoie a vida, uma família.
São muitos, os sem abrigo, mesmo em famílias e em instituições.
São muitos, os sem abrigo no afecto, nos afectos, sem um coração que os abrigue.
São muitos, os sem abrigo em mundos que não são seus. São muitos, os sem abrigo em culturas que não entendem.
São muitos, os sem abrigo num corpo que seja aconchego para o seu corpo.
São muitos, os sem abrigo em valores que predominam mas não reconhecem.
São muitos, os sem abrigo em vidas que lhes não pertencem mas carregam. São muitos, os sem abrigo no aceder e no gostar das coisas de que a vida também se tece.
Muitos destes sem abrigo vivem à nossa beira, sem abrigo, não contabilizados, nem contabilizáveis.

domingo, 30 de março de 2014

ESQUEÇAM, A TRADIÇÃO AINDA É O QUE ERA

Na mesma linha do que já tinha sido proposto em 2011 pela Ordem do Enfermeiros, o Governo estuda a hipótese de que os enfermeiros possam em algumas circunstâncias prescrever alguns fármacos de rotina e alguns exames complementares de diagnóstico à semelhança do que se verifica em alguns países como Espanha, Estados Unidos e Inglaterra.
Tal como aconteceu  em 2011 e sem surpresa a ideia mereceu uma recusa liminar por parte da Ordem dos Médicos.
Esta reacção, obviamente de natureza corporativa, resultará, por  exemplo, de que a prescrição é uma das reservas fundamentais de poder por parte da classe médica que, prescindindo de parte dele, se sentiria enfraquecida. No entanto, a proposta da global da Ordem dos Enfermeiros envolvia vários outros actos de natureza clínica e, repito, é uma situação que se verifica em vários outros países da Europa ou nos Estados Unidos.
A argumentação com base na falta de qualificação científica dos enfermeiros para alguns dos procedimentos que se propõem assumir e, portanto, com a segurança dos doentes é naturalmente de ponderar pelo que deixo duas notas breves.
Em primeiro lugar, a formação dos enfermeiros portugueses é genericamente reconhecida internacionalmente. Sabe-se a frequência com que são recrutados profissionais em Portugal para desempenho de funções noutros países, por exemplo na Inglaterra, onde dentro dos limites estabelecidos os enfermeiros podem prescrever e desempenhar outras funções.
Por outro lado, os estudos dos hábitos ligados à saúde em Portugal mostram como somos um país com práticas muito enraizadas de auto-medicação. Tal situação, além de nos tornar fortíssimos consumidores de fármacos, representa, isto sim, uma ameaça à saúde por uso indevido do medicamento. Neste quadro, a participação dos enfermeiros no processo de acompanhamento na prescrição de certo tipo de fármacos, por maior proximidade aos cidadãos, poderia, do meu ponto de vista, ser um contributo para minimizar os efeitos desta situação.
No entanto, como sempre, vai ser uma questão de poder e, como é hábito, no que respeita ao poder reconhecido da classe médica, creio que a tradição continuará a ser o que era.

A HISTÓRIA DO HOMEM FRIO

Era uma vez um homem, chamava-se Frio. Nada acontecia à sua beira que lhe causasse uma pontinha de emoção. A sua cara mantinha-se completamente impassível perante o acontecimento mais dramático, como no meio da mais contagiante alegria. Permanecia impávido.
Era, naturalmente, uma pessoa com poucos amigos, ninguém aprecia alguém que não se emociona, nunca. Vivia só, dificilmente alguém partilharia a vida com uma pessoa inexpressiva.
Um dia, o Frio estava no parque a ler o jornal e um miúdo pediu-lhe para o ajudar a arranjar a corrente da bicicleta que tinha saltado. Meio a medo e impassível como sempre, o Frio ajudou o miúdo, que em seguida o desafiou para jogar à bola com os amigos dele porque faltava um para fazer equipas certas. O Frio aceitou, de mansinho primeiro, de forma mais empenhada depois. Acabou por se envolver no jogo com os miúdos, de uma forma como nunca se tinha envolvido em nada na sua vida.
Passado algum tempo, no sítio onde estava juntou-se uma poça de água. O Frio tinha finalmente descongelado.
E curioso como tantas vezes os miúdos mostram um enorme poder anticongelante.

ESTUDAR E TRABALHAR

Têm sido notícia as dificuldades sentidas por muitas famílias na manutenção da frequência de ensino superior por parte dos seus filhos. As razões são quase sempre de natureza económica, evidentemente.
É notícia hoje as dificuldade sentidas por um grupo de alunos, mais velhos, na sua maioria os próprios financiadores da sua formação. Dados relativos ao ensino superior público, referem a perda de 20% de alunos deste grupo nos últimos cinco anos.
Algumas notas.
Em primeiro lugar a deve sublinhar-se a importância da qualificação e o que de negativo em termos individuais e também colectivos decorre da desistência destas pessoas.
Num país como o nosso, ainda longe de cumprir níveis satisfatórios de qualificação superior, sobretudo nos escalões etários mais elevados a questão é ainda mais importante. Aliás, em muitos países com maior nível de qualificação média que Portugal, está a assistir-se a um aumento da procura de formação superior por parte de cidadãos mais velhos. Em Portugal, preocupantemente, está a verificar-se o caminho inverso, a desistência.
Como é evidente, as dificuldades económicas são um fortíssimo contributo para esta dificuldade de auto-financiamento da formação. Assim sendo, a precariedade, o desemprego, o abaixamento de salários, o empobrecimento que nos impuseram são enormes obstáculos que muita gente não consegue ultrapassar e manter-se a estudar.
Acresce que muitas instituições de ensino superior não apresentavam, não apresentam, capacidade de acomodação em termos de modelos de organização escolar e funcionamento da situação de quem trabalha diariamente em horários "normais".  Com o aumento do peso das propinas nos orçamentos das instituições a situação começou a mudar, mas em muitas instituições e cursos as dificuldades de compatibilizar estudo com trabalho mantêm-se.
Por outro lado, afirmo isto muitas vezes a alunos estudantes-trabalhadores a frequentar o ensino superior, que em nenhuma circunstância o nível de exigência não pode baixar para facilitar a conciliação entre estudo e trabalho, ou seja. não podemos criar formações de "primeira" para os estudantes a tempo inteiro e uma formação de "segunda", mais facilitada, para estudantes que também trabalham. Entendo também que a reforma do ensino superior, a chamada Reforma de Bolonha" não foi pensada de forma a incluir alunos na condição de estudantes-trabalhadores.
Eu próprio realizei toda a minha formação, desde o meio da licenciatura e toda a formação pós-graduada acumulando com desempenho profissional e, portanto, sei das enormes dificuldades mas, também, da necessidade da exigência e qualidade.
Para desistência destes estudantes pode também contribuir um dos maiores equívocos construídos entre nós, a de que temos "doutores" a mais, pelo que não vale a pena a formação de nível superior.
Na verdade, como já disse, temos um baixo nível de qualificação superior, sobretudo nestes escalões etários. O que temos é desenvolvimento a menos e modelos sociais e de gestão que ainda não absorvem como deveriam e beneficiariam mão de obra mais qualificada.
Todos os estudos e indicadores demonstram que mesmo em conjunturas económicas adversas, estudar compensa, a qualificação é um bem de primeira necessidade.
O nível preocupante de desistência na formação é uma ameaça ao futuro, individual e colectivo.

POLÍTICA? NÃO ME INTERESSA, NÃO ME METO NISSO.

No Público de hoje surge uma peça interessante sobre a falta de mobilização do eleitorado jovem para a participação nas eleições europeias. Nas últimas eleições verificou-se um nível de abstenção acima dos 60% com especial incidência nos cidadãos mais novos. Na peça referem-se a falta de debate e informação como factores contributivos para este alheamento para além de alguma distanciação genérica face ao universo político.
Sendo certo que se pode constatar falta de debate sério e aprofundado e de informação creio que estes aspectos não são causas do alheamento, são eles próprios consequência de um conjunto vasto de questões. Algumas notas.
Ainda relativamente a este repetidamente enunciado e constatado afastamento dos jovens das vida política, recordo um estudo divulgado em Maio pela Comissão Europeia envolvendo jovens e inquirindo-os se considerariam a hipótese de se candidatar num processo de eleição política em qualquer momento da sua vida  a que 52% dos inquiridos afirmou, “de certeza que não” e 26% refere, "provavelmente não". 
Em Portugal os dados disponíveis também apontam para um envolvimento baixo dos jovens na actividade política organizada.
Do meu ponto de vista existe uma questão central. Como muitas vezes tenho referido, o modelo e cultura política instalados há décadas na nossa comunidade, a partidocracia, fomentam, explicita ou implicitamente, o afastamento de grande parte dos cidadãos da participação cívica activa pois, basicamente, ela corre por dentro ou sob tutela dos aparelhos partidários. Aliás, os níveis crescentes e muito altos da abstenção em sucessivas eleições espelham isso mesmo.
Tal cenário alimenta um significativo e comprovado desinteresse dos jovens, mas não só, pela coisa pública e pelo envolvimento activo. Creio também que o grau de qualificação que as gerações mais recentes atingem é relevante nesta atitude crítica ou desinteressada.  A participação dos jovens na coisa política tem sido conformada, quase que exclusivamente, às juventudes partidárias, que servem, com excessiva frequência de trampolim para os lugares políticos, Passos Coelho e António José Seguro, são dois actuais e excelentes exemplos desta carreira.
Lembrar-se-ão que há alguns meses, o Dr. Fernando Negrão, figura de relevo no PSD defendia que os adolescentes do 3º ciclo "não deveriam ter contacto com a Constituição". Elucidativo.
Por outro lado, esse desinteresse pela participação cívica, alinhada nos aparelhos, alia-se a um outro entendimento de consequências extremamente importantes, a falta de esperança e confiança em que as coisas possam tornar-se diferentes, ou seja, isto não muda, não adianta. No caso das eleições europeias este entendimento de que "não serve para nada" pode ser potenciado.
Deve, no entanto, registar-se que nos últimos tempos parece estar a emergir alguma motivação para a acção cívica mas, significativamente, fora da tutela partidária. São exemplos deste caminho várias manifestações envolvendo movimentos como "Que se lixe a Troika"; "Movimento dos Indignados" ou "Precários Inflexíveis" em que a participação de jovens parece importante.
Gente mais nova, pode trazer comportamentos e ideias mais novas.

sábado, 29 de março de 2014

OUVIR OS MIÚDOS

Adolescente diz ao governo dos EUA como poupar 370 milhões de dólares

Sim, eu sei que alguns vão considerar que é um disparate, que é um daqueles discursos que emanam do eduquês, seja lá isso o que for, que é uma ideia romântica, etc. mas continuo convencido que em muitas matérias pode ser interessante ouvir os miúdos. Também por estranho que a alguns possa parecer, eles pensam e até têm ideias sobre as coisas da vida.
Aliás, estou mesmo convencido que é por ouvirmos pouco os miúdos que alguns têm de fazer tanto barulho para se fazerem ouvir.

A SÉRIO?

Durão Barroso: "Disse várias vezes ao primeiro-ministro que há limites para uma certa política"


(No Público, citando entrevista de Durão Barroso ao Expresso)

Uma figura decorativa sem um pingo de pudor.

ALGUNS PORTUGUESES ESTÃO MELHOR


"Bolsa. Portugal tem o 3.º maior número de administradores por empresa"

A roda livre de impunidade e incumprimento dos mais elementares princípios éticos, quando não da lei, produziu nas últimas décadas uma verdadeira família que, à sombra dos aparelhos partidários e através de percursos políticos, se movimentam num tráfego intenso entre entidades e empresas públicas e entidades privadas, envolvendo-se frequentemente em negócios que insultam os cidadãos

sexta-feira, 28 de março de 2014

DEFICIÊNCIA E PARTICIPAÇÃO

Defendo com muita frequência que o verdadeiro critério de avaliação das políticas e práticas de inclusão envolvendo as pessoas com deficiência, considerando grandes domínios da vida das comunidades como educação, vida social e profissional, é o seu nível de participação nos diferentes contextos em análise.
Nesta perspectiva, como já tenho referido, muitas crianças crianças e jovens com necessidades especiais estão, por assim dizer, “entregadas” em estruturas de ensino regular, é certo com apoios especializados embora nem sempre isso aconteça por insuficiência de recursos, mas o seu nível de participação nas actividades escolares com toda a restante população é baixa. Alguns exemplos resultantes da forma como se tem vindo a processar o alargamento da escolaridade obrigatória envolvendo jovens com necessidades especiais são elucidativos, a sua participação nas actividades das comunidades escolares onde desejavelmente estariam incluídos é baixíssimo, para ser simpático.
Em termos de actividades sociais o cenário é do mesmo tipo, as pessoas com deficiência tendem a ser acantonadas em grupos e comunidades com as mesmas problemáticas. Dito de outra maneira, com demasiada frequência, fazem desporto entre si, convivem entre si, namoram entre si, fazem teatro entre si, fazem música entre si, vão ao cinema em grupo, vão à piscina em grupo, etc., etc. Neste cenário, mais uma vez, temos um nível baixo de participação nas na vida “normal” comunidades.
O estudo agora conhecido sugere a mesma linha de actuação no que se refere à esfera da profissionalização.
Participação é interagir e envolver-se com a comunidade e com todas as pessoas da comunidade na generalidade das actividades de acordo, evidentemente com competências e capacidades, de qualquer um, e não só das pessoas com deficiência.
A grande questão, já o tenho referido, é que apesar do empenho e investimento que é colocado no trabalho e apoio a estas pessoas, muitos de nós não acreditamos que eles … são capazes. No caso de se tratar de pessoas com deficiência mental a situação é ainda mais óbvia.

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTINUA INDOMESTICÁVEL

"Houve menos crimes em Portugal em 2013, mas violência doméstica matou mais três pessoas"


Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2013, os níveis de criminalidade baixaram em 2013 com excepção da violência doméstica com mais três vítimas mortais.
A violência doméstica parece continuar indomesticável. Recordo que no início de Março foi divulgado um estudo realizado sob a responsabilidade da Agência para os Direitos Fundamentais da UE, mostrou que 24% das mulheres portuguesas inquiridas reportou ter sido vítima de violência física ou sexual por parte do parceiro, indicador que está abaixo da média europeia, 33%. No entanto, parece-me de sublinhar pelo seu impacto, que 93% das mulheres portuguesas tem a percepção de que a violência é um fenómeno “comum” ou “muito comum”.
Como já tenho referido, por diferentes ordens de razões e embora a realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento significativo de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade na qual parece assentar uma “discreta” tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, que é diferente das reacções quando a vítima é o homem.
Esta aparente tolerância relativizar-se-á à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”. Por outro lado, os estudos mostram algo que se torna mais inquietante, o elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado e ainda, como referi, alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à percepção de eventual vazio de alternativas ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos em caso de separação do agressor.
Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

CUIDADO COM O QUE SE DIZ

"Portas diz que o briefing sobre pensões foi "um erro"


Como mandam os manuais da manha política, a comunicação não deve ser clara e a informação não deve ser transparente.
Dever ser passada da forma adequada, no tempo certo, à imprensa certa e sempre "embrulhada" em papel "bonito". É também para isso que serve a retórica em política. às vezes os aprendizes esquecem-se disso e lá têm os "seniores", os experimentados nestas manhas, que vir compor as coisas.
O Génio Poiares Maduro e o  Geniozinho Lomba que deveriam cuidar da gestão da comunicação do Governo através dos famosos e desastrosos briefings, andam distraídos e deu nisto.
De qualquer forma ... vêm aí mais cortes.
E a gente aguenta?

quinta-feira, 27 de março de 2014

A CARTA

Meu amigo José,

Em primeiro lugar desejo que esta te vá encontrar de boa saúde, assim como todos os teus e que, de resto, estejam bem. Os teus netos já devem estar crescidos. 
Da última vez que me escreveste estavas muito contente porque era Verão e ias passear com eles para o parque. Ainda continuas a fazer aquela voltinha de todos os dias, com sol ou com chuva, com frio ou com calor? Ainda me lembro. O jornal na papelaria do Jacinto, dois dedos sobre futebol com o Manel da farmácia, grande fanático do Sporting, a bica no Central e a conversa com a rapaziada do nosso tempo. Depois ainda começaste a ir buscar os netos à escola. Gostava também de saber se tens visto a Maria e se ela está bem. Há muito tempo que não sei dela e, como sabes, sempre lhe tive um fraquinho. Quando me escreveste, disseste que ias passar uns dias com a tua filha Sara que está no estrangeiro, na Inglaterra, se bem me lembro. Sempre foste? E gostaste?
Olha José, se por acaso vieres para estes lados, vem fazer-me uma visita. Bom, já fico contente quando me escreves.
Sabes José, sobre a minha vida, para além de perceberes que ainda estou vivo, não tenho muito a dizer-te. Desde que fiquei só e velho e me trouxeram para este lar, a minha vida é coisa nenhuma, uns dias encadeados nos outros. À espera.
Recebe um abraço deste teu amigo de sempre,

João

PS – José, se vires alguém dos meus, diz-lhes que estou muito feliz, não os quero incomodar.

O TEATRO





Manda o calendário das consciências que se assinale hoje  o Dia Mundial do Teatro.
Num tempo em que a cultura é considerada bem de luxo e supérfluo, aqui se regista uma lindíssima afirmação de Luís Miguel Cintra no discurso de aceitação do Prémio Pessoa de 2005.
Escolheu o teatro "para continuar a fazer em adulto aquilo que fazemos em crianças, para continuar a brincar contra toda a solidão".
Vivemos num mundo de gente só, que viva o teatro.

EMPOBRECIMENTO E PROLETARIZAÇÃO


"Cáritas Europa diz que a austeridade não está a funcionar e que há cada vez mais pobres


(Público)
(CM)
É difícil entender a persistência numa estratégia de empobrecimento como salvação para as dificuldades num país em que mais de dois milhões de pessoas estão em risco de pobreza e privação. Este é o resultado de uma persistência cega e surda no “custe o que custar", no cumprimento dos objectivos do negócio com a troika e dos objectivos de uma política "over troika", atingindo claramente o limite do suportável e afectando gravemente as condições de vida de milhões. Estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou melhor estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas. E estamos no “bom caminho”?
Ter como preocupação quase exclusiva o abaixamento dos custos do trabalho através do aumento da carga horária e do abaixamento de salários não parece ser a forma mais eficaz de combater o desemprego, promover desenvolvimento e criação de riqueza.Parece razoavelmente claro que a proletarização da economia e o empobrecimento das famílias não poderá ser a base para o desenvolvimento.

quarta-feira, 26 de março de 2014

A MEDIDA DO TEMPO

Professor Velho, toda a gente mede o tempo com o relógio?
Não João, ninguém mede o tempo com o relógio. O relógio só serve para organizar as pessoas, todas as pessoas, dentro do tempo. Medir o tempo é diferente, cada pessoa mede o tempo à sua maneira.
Não percebo, Velho, as pessoas usam o relógio para medir o tempo.
Quando estás a ler um livro de que gostas muito, o tempo é grande ou pequeno?
É pequeno, a gente quer ler sempre mais.
Quando estás a ler um livro de que não gostas, mas tens que ler, o tempo é grande ou pequeno?
É grande, nunca mais chega ao fim.
Quando estás na aula de que gostas mais, o tempo é grande ou pequeno?
É pequeno, acaba num instante.
Quando estás na aula de que gostas menos, o tempo é grande ou pequeno?
É grande, nunca mais acaba.
Quando estás com os amigos de que gostas mais, o tempo é grande ou pequeno?
É pequeno, dura sempre pouco.
Quando estás com pessoas de que não gostas, o tempo é grande ou pequeno?
É grande, Velho, nunca mais me safo delas.
Como vês, João, o coração é que mede o tempo, o relógio só organiza as pessoas no tempo. Agora, vai almoçar que a manhã está no fim.
Já Velho? Passou mesmo depressa.

CRÓNICAS DA VIDA DOS DESCARTÁVEIS


"O que faz um professor sem colocação?


Como muitas vezes tenho afirmado, parece-me claro que a questão do número de professores necessário ao funcionamento do sistema é uma matéria bastante complexa que, por isso mesmo, exige serenidade, seriedade, rigor e competência na sua análise e gestão, justamente tudo o que tem faltado em todo este processo, incluindo a alguns discursos de representantes dos professores.
Para além da questão da demografia escolar que, aliás, o MEC sempre tratou de forma incompetente e demagógica, importa não esquecer que existem muitos professores deslocados de funções docentes, boa parte em funções técnicas e administrativas que em muitos casos seriam dispensáveis pois fazem parte de estruturas do Ministério pesadas, burocráticas e ineficazes que, aliás, o ministro Nuno Crato achou que deveriam implodir. Para já, o risco de implosão ameaça muito mais seriamente a escola pública que o Ministério.
Por outro lado, os modelos de organização e funcionamento das escolas, com uma série infindável de estruturas intermédias e com um excesso insuportável de burocratização, retiram muitas horas docentes ao trabalho dos professores.
No entanto e do meu ponto de vista, o “excesso” de professores no sistema e sem trabalho deve ser também analisado à luz das medidas da PEC – Política Educativa em Curso. Vejamos alguns exemplos.
Em primeiro lugar, a mudança no número de professores necessário decorre do aumento do número de alunos por turma que, conjugado com a constituição de mega-agrupamentos e agrupamentos leva que em muitas escolas as turmas funcionem com o número máximo de alunos permitido, ou mesmo acima, com as evidentes implicações negativas que daí decorrem.
As mudanças curriculares com a eliminação das áreas não curriculares que, carecendo de alterações registe-se, também produzem um desejado e significativo “corte” no número de professores, a que acrescem outras alterações no mesmo sentido.
O Ministro “esquece-se” sempre, obviamente, destes “pormenores”, apenas se refere à demografia, em termos errados e habilidosos, e aos recursos disponíveis para, afirma, definir as necessidades do sistema, processo obviamente incompetente.
Este conjunto de medidas, além de outras, virão a revelar-se, gostava de me enganar, muito mais caras do que aquilo que o MEC poupará na diminuição do número de docentes que ficarão no desemprego, muitos deles tendo servido o sistema durante anos.
Milhares de professores ficarão sem trabalhar, não porque sejam incompetentes, a maioria não o é, não porque não sejam necessários, a maioria é, mas “apenas” porque é preciso cortar, cortar, custe o que custar.

VIDAS ADIADAS

Dados hoje divulgados mostram que na UE cerca de 48% dos jovens até aos 30 anos ainda vive com os pais, sendo que em Portugal a percentagem é de 55%. Tal como na Irlanda, baixou ligeiramente face a dados anteriores, provavelmente devido a emigração de muitos jovens.
Em linha com outros resultados, nos países nórdicos verificam-se, globalmente, as taxas mais baixas.
Para além das questões de natureza cultural que importa considerar, as actuais circunstâncias de vida dos jovens sustentam este cenário que, provavelmente, se agravará. Algumas notas sobre este universo.
Na verdade e em termos gerais os mais jovens estão numa situação particularmente difícil. Em Portugal existirão mais 300 000 jovens entre os 15 e 29 anos que não estudam, não trabalham e nem estão a receber formação, a designada situação “nem, nem”.
Este cenário não é mais grave porque 100 000 jovens, sobretudo qualificados, estão a sair do país, emigrando para outras paragens e tem um custo brutal, cerca de 2 700 milhões de euros, 1,57 % do PIB. A emigração parece assim constituir-se como via quase exclusiva para aceder a um futuro onde caiba um projecto de vida positivo e viável como tem vindo a verificar-se.
Acresce que de acordo com um Relatório da Organização Internacional do Trabalho em 2011, 56 % dos jovens portugueses com trabalho têm contratos a prazo. Há algum tempo uma informação do Banco de Portugal referia que em cada dez empregos novos para jovens, nove são precários. Por outro lado, a taxa de desemprego entre os mais novos ronda os 36 %, a terceira taxa mais alta da UE.
Segundo um estudo da CGTP, 51% dos jovens com menos de 25 anos ganha menos de 500 € e 24,5% dos jovens entre os 25 e os 35 recebe também menos de 500 €. Este cenário evidencia a enorme precariedade do trabalho e baixa qualificação do mesmo.
A precariedade nas relações laborais quase duplicou na última década. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo. Por outro lado, as políticas de emprego em curso incluem maior flexibilização das relações laborais o que, naturalmente, é coerente com os ventos neo-liberais e o endeusamento do mercado que tudo permite, incluindo roubar a dignidade às pessoas e promover exclusão.
Deste cenário e dos números do desemprego, resulta que os mais novos à entrada no mercado de trabalho são os mais vulneráveis ao desemprego e à precariedade quando, apesar das dificuldades, acedem a algum emprego.
Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem, obviamente, sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os dados hoje conhecidos mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais. As gerações mais novas que experimentam enormes dificuldades na entrada sustentada na vida activa, vão também, muito provavelmente, conhecer sérias dificuldades no fim da sua carreira profissional.
No entanto, um efeito muito significativo mas menos tangível desta precariedade no emprego, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo e que, com alguma frequência, os discursos das lideranças políticas acentuam. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída motivadora e que recompense.
Este problema que não é um exclusivo português, longe disso, exige uma visão e um conjunto de políticas que não se vislumbram e cuja ausência compromete a construção sustentável do futuro.
Podemos estar perante a tragédia das gerações perdidas de que há algum tempo se falava.

terça-feira, 25 de março de 2014

TAMBÉM A NET REVISTA EM BAIXA


Seguindo uma prática que em algumas empresas já se verifica, o MEC decide criar restrições em alguns horários o acesso à Internet nas escolas. As páginas interditas são as que apresentam conteúdos sem "carácter pedadógico".
A malandragem que anda pelas escolas, professores, alunos e funcionários entope a rede andando a navegar por onde não deve. Claro que a estes entupimentos e dificuldades são alheios problemas das redes e dos equipamentos, é mesmo a utilização indevida, sem "carácter pedadógico".
Esta apetência pela navegação não é estranha num país de navegadores mas, evidentemente, compromete a produtividade da comunidade escolar nas suas diferentes funções.
Nesta conformidade, o MEC entende por por bem definir os conteúdos acessíveis e os respectivos horários sempre, obviamente, no respeito e incentivando a autonomia das escolas e agrupamentos.
Talvez seja de repensar algumas teses mais aceites e retomar uma ardósia, o quadro negro e um livro único como ferramentas privilegiadas de acesso e construção do conhecimento por parte de alunos e professores. 
É bastante mais barato.

PREPARAR AS CRIANÇAS PORTUGUESAS PARA 2020

 

Confesso que tenho alguma dificuldade em perceber onde e como vão os professores do 1º ciclo encontrar “soluções criativas” para lidar com os desafios da educação para o 2020 identificadas por Diogo Simões Pereira no seu artigo no Público.
Apesar dele afirmar que o MEC já “incorporou” a “relevância estratégica” das escolas do 1º ciclo, não vejo muito bem como é que tal relevância será operacionalizada com turmas até 26 alunos, com falta de recursos e apoios, com as metas curriculares estabelecidas, 72 objectivos e 323 descritores para Matemática e de 177 objectivos e 703 descritores para Português que transformam o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames todos os anos.
Cito Marçal Grilo numa entrevista recente, "Mas lembro que na escola há três áreas fundamentais: os conhecimentos de base, os comportamentos e atitudes e a área dos valores. Nos valores, há imenso a fazer, se há algo que o país e o mundo perderam, foi a ética, parece varrida do comportamento das pessoas. Em Portugal, há hoje uma ideia de que o que é legal é ético, quando há coisas que sendo legais não são éticas! Não são legítimas, ponto! Não se devem fazer, mesmo sendo legais. Longe de mim desprezar os conhecimentos de base, já falei do grande orgulho na minha formação de engenheiro, com Matemática, Física, Química, estruturas, resistência dos materiais, etc. Sucede porém que a escola não é só isto. E é aqui que eu penso que o ministro não tem sabido mobilizar os professores, os alunos e os pais para a ideia de que há mais vida para além do que se estuda nos livros para responder nos exames e satisfazer os testes internacionais."

Trata-se, na verdade, de uma outra visão da educação e da escola que Nuno Crato e seguidores não irão compreender, nunca.

MEDICINA HIGH TECH

“É uma farsa imposta por burocratas para justificarem a sua própria existência”, disse José Manuel Silva, alertando para as crescentes dificuldades dos médicos – com listas de 1.900 doentes – que são obrigados a preencher cada vez mais itens no computador e, por isso, a não terem tempo para observarem os doentes." (No I)
Nos últimos tempos, as questões da saúde têm estado na agenda pelas piores razões, esperas inaceitáveis nas urgências hospitalares, dificuldades no acesso aos medicamentos mais recentes, atraso na realização de exames como colonoscopias com consequências gravíssimas, etc.
Como é evidente, todas estas situações estão associadas ao quadro económico que atravessamos e às políticas agressivas de austeridade que têm vindo a ser impostas embora o Ministro da Saúde se esforce por nos convencer de que consegue “fazer omeletes sem ovos”, por assim dizer.
No que concerne aos gastos com a saúde recordo que considerando os países da Europa ocidental, Portugal tem o gasto per capita mais baixo, 2690 dólares, cerca de 1990 euros.
A este propósito, os custos da saúde, relembro ainda um Relatório da OCDE, divulgado em Fevereiro de 2013, “Health Spending Growth at Zero –Wich Countries, which sectors are most affected?” com alguns dados interessantes. O Governo português cortou o dobro do que estava definido no negócio acordado com a Troika. As contas portuguesas do sector da saúde terão caído em 2011 5,2% face a 2010, a média de toda a OCDE foi um crescimento de 0,7%. Em 2013 a saúde teve 5,1% do PIB, a média da zona euro é de 7%. Estes dados são elucidativos da política de cortes, custe o que custar e que continuam e se acentuam.
O mesmo relatório alerta para os impactos a prazo, sobretudo quando se atravessa um período alargado de perdas muito significativas do rendimento disponível das famílias. Aliás, é importante referir que, ainda de acordo com a OCDE, em 2010, já bem dentro do quadro de dificuldades, os portugueses continuavam a ser dos que mais pagam directamente do seu bolso despesas com saúde, 26% face aos 20,1% da média dos 34 países da OCDE.
Estes dados, apesar de desmentidos pelo Ministério da Saúde, parecem-me extremamente importantes no âmbito da discussão em aberto sobre a reforma do estado e das suas funções e o quadro a que estamos a assistir.
Na verdade, quando tanto se questiona os fundamentos do estado social e o peso destas funções no OGE, parece razoavelmente claro que Portugal tem, no sector da saúde mas não só, um investimento inferior ao de outros países.
Quando sempre que se decidem cortes, a saúde, tal como outras áreas sociais, são alvos privilegiados, os dados do Relatório da OCDE sustentariam outro caminho.
Embora seja importante ponderar a organização, eficácia e custos do chamado estado social, por exemplo na saúde, é fundamental perceber e entender que a comunidade tem sempre a responsabilidade ética de garantir a acessibilidade de toda a gente aos cuidados básicos de saúde. Os tempos que atravessamos criando obstáculos ao acesso aos serviços de saúde a que se acrescentam as dificuldades criadas aos próprios serviços no sentido garantirem o cumprimento da sua missão são ameaçadores dos padrões mínimos de bem-estar e qualidade da assistência em matéria de saúde.
Como afirma Michael Marmot, que há algum tempo esteve em Portugal, todas as políticas podem, ou devem, ser avaliadas pelos seus impactos na saúde.
Talvez a ideia do "custe o que custar" fosse de repensar, pela nossa saúde.

segunda-feira, 24 de março de 2014

DOS OVOS E DAS OMELETAS


O Relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência agora conhecido mostra a a análise de impacto dos artigos científicos produzidos em Portugal.
O resultado mostra que na generalidade das áreas científicas consideradas os indicadores de impacto são baixos comparados com a média europeia. Tal constatação servirá, de forma muito oportuna, para o Primeiro-ministro reforçar o seu discurso sobre a pouca relevância da produção científica portuguesa. Não estranharei.
Não sendo uma pessoa desconfiada, certamente porque não era esse o objectivo do Relatório, não se refere que o investimento médio europeu em ciência, dados de 2012, é de 461 euros por habitante e em Portugal foi de 262,8, pouco mais de metade. Parece, no entanto, um dado a ter em conta.
A velha história dos ovos e das omeletas.
Já que se trata de um estudo de impacto, aguardemos a análise dos efeitos da negrura crática que se abateu em 2013/2014 sobre a ciência e a investigação em Portugal, com um desinvestimento significativo e cortes em bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, levando ao abandono e a dificuldades em muitos programas e estruturas de investigação.
Um oportuníssimo relatório, na verdade.

UM PAÍS DE DESPORTISTAS


Ciclicamente, só para nos arreliar e dar cabo da nossa auto-estima, referem-se à nossa pouca apetência pelo desporto e actividade física. Dados hoje divulgados com origem no Eurobarómetro, mostram que os portugueses são dos europeus menos dados às práticas desportivas, contrariamente aos escandinavos. De facto, 64 % dos inquiridos referem nunca praticar uma actividade desportiva.
Recordo um estudo de há algum tempo sobre os tempos livres dos portugueses mostrava que 96% dos portugueses tem como principal actividade ver TV na qual gastam 37% do tempo. Ficámos ainda a saber que 40% gasta 8% do tempo a ver filmes (DVDs). Era ainda referido por 22% o uso do seu tempo livre para navegar na Net e 9% de volta dos livros. O estudo referia também que somos dos que menos recorremos a actividades de ar livre. Alguns comentários.
Em primeiro lugar, os tempos não me parecem nada livres, ou seja, os portugueses estão completamente “agarrados” e tornaram-se teledependentes. Como sabem, os comportamentos aditivos retiram-nos liberdade pelo que deixemos de chamar livres ao tempo que dedicamos compulsivamente ao ecrã. Por outro lado, parece-me que a fatal atracção pode ser explicada pela qualidade da programação, sobretudo dos canais abertos e generalistas, novelas, novelas e, no meio, pérolas como o Preço Certo ou os programas de discussão sobre futebol. E também temos a Dra. Fátima Campos Ferreira a arbitrar intermináveis e estéreis discussões. No cabo temos overdoses de futebol, actividade cultural de que somos especiais consumidores e até faz menos mal, parece, que ver telejornais. Os dados referentes à leitura estarão provavelmente ligados à atitude séria que temos perante a vida, isto é, se estamos em tempos livres, achamos, que é para descansar e ter que estar a pensar no que se lê, bolas, dá cabo do descanso. O facto de não recorrermos a actividades de tempo livre deve-se certamente ao clima adverso e à excelência e conforto das nossas casas. Gostava de ver as pessoas que andam sempre em actividades de ar livre, como as do norte da Europa, a fazerem essas actividades com o nosso clima. Claro que se também tivessem casas confortáveis como as nossas, não quereriam sair delas e estariam de pijama, num sofá, em frente à TV.
Em termos de actividade desportiva propriamente dita, julgo que é de realçar o hábito bem enraizado entre nós de passear de fato de treino, sobretudo ao fim de semana, a caminho da bica, pelos centros comerciais ou ainda assistir a um evento desportivo na condição tão interessante de "desportista de bancada" onde até se pode participar num concurso de arremesso no âmbito das claques clubistas. É um começo. 
Convém ainda não esquecer a quantidade vezes que nos referimos no quotidiano, ao que "fazemos por desporto".
No fundo, somos mesmo um país de desportistas.

O SUCESSO DO PROGRAMA "EMPOBRECIMENTO A TEMPO INTEIRO" - AEFs Actividades de Empobrecimento Familiar


Dados do INE hoje conhecidos, vêm atestar que o Programa Empobrecimento a Tempo Inteiro, empenhadamente posto em prática pelo Governo através das chamadas Actividades de Empobrecimento Familiar, está a conhecer um assinalável sucesso.
Em 2012, a taxa de risco de pobreza em Portugal aumentou para 18,7%, derca de dois milhões de portugueses, a taxa mais elevada desde 2005 sendo que nos dados relativos à privação material, dados de 2013, 25,5% da população residente em Portugal vive em privação material, mais 3,7% que em 2012, 10.9%.
Atentando nestes e noutros indicadores, parece evidente o sucesso do Programa que nos leva ao salvífico empobrecimento pelo que se aguarda a sua continuidade.
Na verdade, depois de décadas em que muitos portugueses não tiveram o privilégio de beneficiar das virtudes do estado de pobreza, o Programa de Empobrecimento a Tempo Inteiro tem vindo a devolver aos portugueses a felicidade do empobrecimento e a sua salvífica condição.
Com uma invejável determinação e coragem o Governo tem conseguido transformar milhões de portugueses em pobres, há quem lhes chame, os novos pobres, pelo que o nosso índice de felicidade tem vindo a subir sustentada e estruturalmente.
É verdade que existe uma pequena minoria que tem sido inaceitavelmente discriminada, não tendo beneficiado das Actividades de Empobrecimento Familiar, antes pelo contrário, alguns estão mesmo mais ricos. Não é justo que fiquem privados do usufruto da pobreza.
Alguns ingratos, irrealistas, mal agradecidos, ignorantes ou mesmo mal intencionados entendem que que não eram necessárias tantas Actividades de Empobrecimento Familiar. Não passam de vozes de burro que, evidentemente, não chegam ao céu. Como o Primeiro-ministro afirmou há dias as pessoas "simples" entendem o seu empobrecimento. Claro, é o seu destino.
Como se sabe, o céu está guardado para os bem aventurados pobres.
Na verdade e mais a sério, é difícil de entender a persistência numa estratégia de empobrecimento como salvação para as dificuldades num país em que perto de dois milhões de pessoas, estão em risco de pobreza.  Este é o resultado de uma persistência cega e surda no “custe o que custar", no cumprimento dos objectivos do negócio com a troika e dos objectivos de uma política "over troika", atingindo claramente o limite do suportável e afectando gravemente as condições de vida de milhões. Estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou melhor estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas. E estamos no “bom caminho”?
Com este terramoto social e económico ainda se insiste no discurso do “temos que empobrecer”, é esse o “bom caminho”. Isto indigna até à raiva, nós já estamos pobres, nós não precisamos de ficar mais pobres.
O que precisamos é de coragem e visão sem subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir modelos económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados ou a grupos minoritários de interesses.
Ter como preocupação quase exclusiva o abaixamento dos rendimentos familiares, incluindo pensões reformas, o abaixamento dos custos do trabalho através da sua proletarização e precariedade, não parece ser a forma mais eficaz de combater o desemprego, promover desenvolvimento e criação de riqueza.

PRENDER NÃO BASTA


A questão central, do meu ponto de vista, é que, sobretudo no caso de gente mais nova, a prisão não pode ser a única solução, os dados sobre a elevadíssima taxa de reincidência mostram isso mesmo. Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta. 

ESTAMOS NO BOM CAMINHO


Mãe percorre 10 km a empurrar a cadeira de rodas para levar a filha ao médico. A filha é uma pessoa com deficiência motora.
E assim se cumpre Portugal.

domingo, 23 de março de 2014

A ESPIRAL RECESSIVA DA DEMOCRACIA ...

... também se escreve assim.

Como é previsível, tudo isto sem o mínimo sobressalto.
Apesar do entendimento de Larry Diamond,


decididamente, a qualidade da nossa vida cívica foi mesmo revista em baixa.
Bons motivos para nos inquietarmos com  a continuidade de algumas políticas, discursos e comportamentos.

SE ELE QUISESSE

Era uma vez um rapaz. Deste, não me lembro bem do nome, mas creio que se chamava Rapaz. Na escola as coisas não corriam muito bem, os resultados eram baixos e o comportamento também não era muito positivo. O curioso é que toda a gente que falava do Rapaz e dos problemas que ele dava, acabava sempre por afirmar, “se ele quisesse”. 
Todos os professores que o foram conhecendo, invariavelmente, acabavam por achar, “se ele quisesse”. 
A direcção da escola, sempre que recebia mais uma queixa, lá afirmava “se ele quisesse”. 
Os funcionários da escola, também já tinham aprendido que, quando se falava do Rapaz, a conclusão era, obviamente, “se ele quisesse”. 
Até os colegas, parte deles, também já se tinham habituado a pensar o Rapaz a partir do “se ele quisesse”. 
Um dia, uma das professoras falava com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, e, claro, a conversa foi ter aos problemas levantados pelo Rapaz e, finalmente, no inevitável “se ele quisesse”.
O Velho pensou e falou naquele jeito baixo. “Quando algum de vocês falar com o Rapaz, experimente perguntar porque é que ele não quer, mas espreitem bem para dentro dos olhos dele. Para sossegar o medo que ele deve sentir, e para que o Rapaz veja nos vossos olhos que vocês querem que ele queira, porque, talvez, ele não saiba isso”.

O INVERNO DEMOGRÁFICO


Os dados relativos à demografia escolar traduzem um cenário de inverno demográfico extremamente preocupante que a retórica não parece suficiente para reverter.
Na verdade a situação que atravessamos torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo na qualidade, protecção e disponibilidade para a parentalidade como, por exemplo, a acessibilidade, na distância e no custo, aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida bem como combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas. Acresce a necessidade de políticas amigas das famílias em termos de licenças parentais, fiscalidade, legislação laboral, etc.
Seria ainda importante, à semelhança do que se passa noutros países, a introdução de ajustamentos na organização social do trabalho, nos horários, por exemplo, que tornassem mais amigáveis e compatíveis para famílias com filhos os desempenhos profissionais. Os custos destas medidas seriam certamente compensados em várias dimensões. 
Só com uma abordagem global e multi-direccionada me parece possível promover a recuperação demográfica indispensável.

A JUSTIÇA EM MODO LENTO, DEVAGARINHO, ATÉ À PRESCRIÇÃO FINAL


No ano de 2012 nos tribunais portugueses 752 arguidos escaparam a uma eventual condenação por prescrição do crime. É ainda de registar que estes número apenas se refere à prescrição numa fase do processo pelo que se considerarem todas as fases possíveis os número subirão.
Nos últimos dias tem sido notícia a prescrição ou o risco de prescrição em processos envolvendo figuras públicas ligas à banca e em processos de enorme dimensão e gravidade.
Complementando, entre 2008 e 2010, 5341 arguidos não foram condenados por prescrição dos crimes de que estavam acusados sendo que em 2009 a prescrição evitou a condenação de 1489 arguidos já condenados em primeira instância.
Recordo um Relatório da OCDE, de Junho de 2013, que mostrava que em Portugal, um processo demora 425 dias, em média, a ser resolvido nos tribunais de primeira instância, o segundo mais moroso antes da Itália.
Neste âmbito, morosidade da justiça, tem acontecido com alguma frequência a aplicação por parte do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de multas a Portugal por atraso excessivo na decisão de um processo judicial.
A própria Ministra da Justiça afirmou há tempos que em Portugal "ainda existe uma justiça para ricos e uma justiça para pobres". Esta afirmação apenas surpreende por vir da ... responsável pela justiça em Portugal o que não quer, evidentemente, significar da responsável pelo estado a que a justiça em Portugal chegou.
Curiosamente, o Governo já anunciou que está terminada a reforma da Justiça pelo que podemos imagina o cenário sem que se tivesse realizado a "reforma" do sistema.
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Como todos sabemos e nos indignamos, quase todos, ecidentemente, são recorrentes a demora, a manha nos processos judiciais com a utilização de legislação complexa, ineficaz e cirurgicamente construída para ser manhosamente usada por quem a construiu que, com base em expedientes dilatórios, promove a injustiça, ou seja, é uma justiça manifestamente marcada pelas desigualdades de tratamento como a Ministra referiu, etc. São recorrentes os exemplos que, lamentavelmente, já não nos surpreendem, não nos sobressaltam. Quando muito, dedicamos-lhe um encolher de ombros a suportar um pensamento telegráfico, "mais um". Veja-se o que tem sido o trajecto de alguns processos mais mediatizados.
Parece-me ainda de relembrar um relatório de 2011, creio que também da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça no âmbito do Conselho da Europa, que, para além de referir a morosidade, revelava que, curiosamente, somos um dos países com um rácio maior de profissionais de justiça por 100 000 habitantes, 294.9, (envolve juízes, advogados, procuradores e notários). É notável, este facto transmite a ideia que esta gente toda se atropela, engarrafando processos e procedimentos.
É verdade que foram recentemente introduzidas alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal que, não sendo um especialista, não consigo avaliar do seu eventual impacto no cenário actual. No entanto, continuo a entender que não existe uma determinação sólida e consensual de alteração da teia de ineficiência que é a nossa justiça apesar da retórica das afirmações. Sofrem os cidadãos individualmente e sofre a qualidade da vida cívica de um país que percebe o seu sistema de justiça como forte com os fracos, fraco com os fortes, moroso, ineficaz e, definitivamente injusto. É mau, muito mau.
Apesar de sucessivos discursos sobre o que se tem passado ao longo de décadas no sistema de justiça português, a situação existente fez bater no fundo os níveis de confiança e credibilidade. 

MAIS DE METADE DOS PORTUGUESES ...

e adormecem desesperados.
Tanto que nos tira o sono.