No DN de hoje refere-se a intenção do Governo legislar
no sentido de incentivar a natalidade e a qualidade da vida familiar. Refere-se
em concreto a possibilidade dos pais saírem mais cedo dos seus empregos para
que possam estar com os filhos sem que isso implique perda salarial. As
empresas cobrirão apenas uma parte do montante envolvido sendo o restante suportado
por verbas públicas.
Apesar de não conhecer todo o projecto, creio que
qualquer iniciativa neste sentido é potencialmente positiva embora neste caso
me pareça pouco eficaz. Algumas notas.
Na verdade, vários trabalhos recentes evidenciam
que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a
carreira profissional e a família. Também é sabido de outros estudos que as
mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa, aliás, são
também das que mais tempo trabalham em casa. Neste sentido a intenção agora
enunciada pode ser interessante.
Acontece, no entanto, que é preciso uma visão
mais alargada neste universo das políticas de família. Os salários baixos ou o
desemprego são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa,
como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal
tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que,
naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Esta é uma questão essencial e um enorme obstáculo, os filhos são muito caros.
Por outro lado, não pode ainda esquecer-se a
discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor
qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua
“flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias
sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a
intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por
gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas
para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Numa situação com
níveis de desemprego e precariedade devastadores, o mercado de trabalho é de
tal forma competitivo que para além de promover pagamentos indignos, migalhas que
a sobrevivência obriga a aceitar, ainda exclui quem não possa ou não queira
oferecer uma disponibilidade total. Sabemos todos que assim é.
Gostava ainda de recordar que em Julho passado o
FMI propunha apoiar as mães que voltem mais cedo ao trabalho, ou seja, apoiar
as mulheres estivessem a trabalhar mais tempo, não perdendo horas de trabalho
com essa coisa estúpida e desnecessária de cuidar dos filhos uns meses depois
do nascimento. Nesse sentido, defendia
que em vez de apoio às famílias se atribuam apoios às mães trabalhadoras. Em
Janeiro deste ano, também os burocratas do FMI defenderam que os apoios sociais
à maternidade fossem objecto de tributação fiscal.
Curiosamente, são os países mais ricos, com menos
desemprego, os que justamente têm menor rácio de horas de trabalho, casos da
Alemanha e da Holanda, sendo ainda que nos países mais desenvolvidos e com
menos desemprego também se assiste ao aumento do trabalho parcial.
Toda esta situação torna urgente a definição de
políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por
exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o
alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta
está abaixo da meta estabelecida bem como combater a discriminação salarial e
de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Medidas pontuais e voluntaristas podem ser bem
intencionadas e potencialmente positivas mas são curtas e pouco eficazes.
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