Foi publicada a legislação relativa à venda e
consumo do álcool que estabelece a insustentável decisão que interdita as bebidas espirituosas até aos 18 anos e mantém o vinho e a cerveja acessíveis aos 16. Na
legislação agora publicada são estabelecidas coimas elevadas por venda de
álcool a menores e a notificação aos pais ou encarregados de educação dos casos
de adolescentes “que evidenciem intoxicação alcoólica” sendo que em caso de
reincidência deverão ser notificadas as Comissões de Protecção a Crianças e
Jovens da área geográfica. O governo tinha também anunciado a intenção de
restringir a publicidade sobre o álcool dirigida a jovens.
A espirituosa decisão de separar tipos de álcool
foi obviamente uma cedência às pressões que logo se fizeram ouvir
quando a ideia foi anunciada. Ficou estabelecido que existe um álcool mais
álcool que outro, numa lógica pouco sustentável fora, naturalmente, dos
interesses de produtores e distribuidores de vinho e cerveja. Será certamente
excessivo, mas lembrei-me da incontornável referência do Estado Novo, “Beber
vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”.
Neste quadro, pelos seus potenciais efeitos, o
consumo de álcool por parte de adolescentes merece alguma reflexão, já por aqui
considerada, sobretudo no que respeita à facilidade de consumo e aquisição e
aos estilos de vida.
O consumo de álcool tem vindo a crescer
alterando-se também os padrões de consumo, beber na rua (é bastante mais
barato, e o consumo excessivo e rápido (binge drinking). Segundo alguns
especialistas, a embriaguez parece deixar de ser uma consequência do consumo
excessivo para passar a ser um objectivo em si mesmo. Este padrão tem vindo a
ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e
jovens portugueses, cerca de 80% dos jovens com 15 anos consomem álcool segundo
um trabalho da Unidade de Alcoologia de Coimbra do IDT e em 2007 56% dos jovens
com 16 anos inquiridos referiram este tipo de consumos enquanto em 2003 o
indicador era de 25%. Algumas notas mais.
Uma primeiro aspecto a considerar é o facto de os
adolescentes poderem facilmente comprar cerveja e outras bebidas, as “litrosas”ou
os shots, como lhes chamam, no comércio mais habitual, lojas de conveniência ou
pequenos estabelecimentos de bairro, a um preço bem mais acessível que nos
estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com
misturas ao longo da noite, comprida aliás. A presente legislação restringe o
comércio e estabelece multas bem mais pesadas mas veremos o efeito prático pois
em diferentes domínios a restrição devido à idade nem sempre é respeitada. O
consumo em quantidade e em grupos, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes
entendido e sentido como o factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada
do consumo, juntos bebemos mais do que sós, como é óbvio e o estado que se
atinge é sentido como um "facilitador" relacional e temo que o controlo
das idades de quem compra seja ineficaz e facilmente ultrapassado. Por outro
lado, a venda processa-se com a maior das facilidades e sem qualquer controlo
da idade dos compradores o que a alteração da idade, só por si, não mudará.
Muitos adolescentes, ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência
de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de
entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto
devido ao “mau estado” do protagonista.
Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho
referido com base na minha experiência de contacto com pais de adolescentes,
não estamos a falar de pais negligentes. Pode haver alguma negligência mas, na
maioria dos casos, trata-se de pais, que sabem o que se passa, “apenas fingem” não
perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente
assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora
parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por
dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.
É preciso que a comunidade esteja atenta a estes
adolescentes que logo desde os 13 ou 14 anos “acedem” às “litrosas” e aos shots
e também aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.
Apesar de agora legislar no sentido de apenas aos
18 anos ser permitida a aquisição do álcool mau e aos 16 se permitir a
aquisição do álcool bom, parecem-me imprescindíveis a adequada fiscalização e a
criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco
do consumo excessivo.
A proibição, como sempre, não basta, restringir a
publicidade só por si não adianta.
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