Depois de concluído um processo tutelado pela Administração
Central do Sistema de Saúde, os médicos vão ser objecto de avaliação envolvendo
parâmetros como “eficácia, eficiência e qualidade”, e avaliando a actividade
assistencial, a produtividade e a atitude profissional.
A avaliação de desempenho, é uma ferramenta
imprescindível à promoção da qualidade e eficácia de pessoas e instituições
pelo que faz todo o sentido definir um modelo de avaliação também para os
médicos. As minhas dúvidas começam quando entre os critérios se enuncia
produtividade e "atitude profissional e comunicação" com colegas,
superiores, doentes e utentes como foi divulgado no início do processo e parece
agora confirmado. Este processo suscita algumas dúvidas em algumas das áreas de
intervenção do SNS.
Recordo que em 2012, creio que em Agosto, dois
sindicatos representativos da classe médica aceitaram aumentar o número de
utentes por cada médico de família a troco de compensações salariais “por
desempenho”. A medida, que passaria de uma média de 1550 utentes por clínico
para mais de 1900, permitiria, sustentaram os sindicatos, diminuir
significativamente o número de cidadãos sem médico de família, muitas centenas
de milhar, situação verdadeiramente inaceitável, para mais nos tempos de
dificuldades que atravessamos.
Apesar disto sabe-se as listas de espera mantêm-se
ou aumentam e que existem muitos milhares de pessoas sem médico de família que
lutam por uma consulta, sem garantia de a conseguir, indo a meio da noite para
a porta do centro de saúde o que coloca uma enorme pressão sobre os actos
médicos. Sabe-se que alguns médicos de família são responsáveis por milhares de
doentes. Muitas das pessoas que recorrem às consultas são idosas que
frequentemente sofrem de “sozinhismo”,a doença de quem vive só, que se minimiza
no convívio com outros sós na sala de espera e na atenção de um médico que
escuta, por vezes, mais a dor da alma que as dores do corpo.
Neste cenário como avaliar "atitude" e
"comunicação". Já estive envolvido em circunstâncias, pessoais ou
acompanhando familiares, em que o médico claramente estava pressionado pelo
tempo que (não) podia dedicar, a atitude que (não) podia demonstrar, a
comunicação que (não) podia estabelecer. As muitas pessoas com horas de espera
na sala inibem-no na "atitude e comunicação" e pressionam-no na
"produtividade".
Temo que o aumento de utentes por médico e a
pressão acrescida sobre os profissionais, com as implicações decorrentes da sua
“produtividade” e “desempenho” apesar de assentarem num correcto princípio de
avaliação profissional possam, paradoxalmente, ameaçar a qualidade dos serviços
prestados.
Ainda assim, nada que se estranhe num tempo em
que os números se sobrepõem às pessoas.
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