Em síntese, foi preparado um Orçamento Geral do
Estado para 2013 que desde o início se percebeu que continha normas com o sério
risco de inconstitucionalidade. O Tribunal Constitucional veio, com uma demora
inaceitável, validar isso mesmo, existem normas que ferem a Constituição e, por
isso mesmo, o Orçamento deverá ser ajustado.
O Primeiro-ministro entende que a
responsabilidade das eventuais consequências é do TC. É sabido que também as
decisões do TC se inscrevem no cenário político português mas pelo que se
conhece do acórdão, as decisões transcenderam a filiação partidária dos juízes.
Temos assim que o Governo elabora um diploma, por acaso o mais importante
instrumento da política governativa, o Orçamento Geral do Estado. A sua
elaboração tem conteúdos anticonstitucionais. A responsabilidade pelas
consequências é do Tribunal, não de quem as elaborou contra a Constituição.
Notável.
Posto isto, o Primeiro-ministro, vítima inesperada
do TC, afirma que o caminho, não podendo aumentar mais os impostos, só pode ser
aprofundar cortes na despesa do estado, a receita que já conhecemos, menos
despesa nas áreas sociais, ou seja, mais austeridade e um caminho de pobreza, exclusão
e desprotecção social.
De há tempos para cá que boa parte das instâncias
internacionais reconhecem que uma política assente quase que exclusivamente na
austeridade provoca recessão e empobrecimento. É esse o caminho que Passos
Coelho continua a entender como o adequado.
Quando nos dizem que não há alternativa, é
interessante registar que alguns analistas, incluindo ironicamente o próprio
FMI, atribuem a rápida recuperação da Islândia à manutenção do estado social e
dos apoios sociais, ou seja, privilegiou-se as pessoas e não os mercados, a
banca, o contrário do diktat que nos é imposto.
Nós precisamos de combater a assimetria da
distribuição da riqueza e produzir mais riqueza, precisamos de combater
mordomias e desperdício de recursos e meios ineficientes e muitas vezes
injustificados que alimentam clientelas e interesses outros. Nós precisamos de
combater a teia de protecção legal e política aos interesses dos mercados e dos
seus empregados que conflituam com os interesses das pessoas. Basta recordar as
parcerias ainda em vigor, as rendas escandalosas, o funcionamento da banca que
está capitalizada mas não disponibiliza crédito à economia, designadamente às
pequenas e médias empresas, justamente as que mais emprego criam.
Nós não precisamos de empobrecer, nós já somos um
dos países mais pobres e assimétricos da Europa com perto de um terço da sua
população pobre ou em risco de pobreza, com miúdos a chegar às escolas com
fome, com gente sem trabalho e sem apoio social, cerca de metade dos
desempregados não têm subsídio de desemprego, só como exemplo.
O que precisamos, insisto, é de coragem e visão
sem subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir
modelos económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados
ou a grupos minoritários de interesses.
Sempre me lembra a história que se conta no meu
Alentejo do sujeito que indo, sem dar por isso, em contramão na auto-estrada,
ouve avisar pela rádio que se encontra um automobilista a circular em contramão
naquela via. O nosso amigo condutor ouviu e interrogou-se “Só um em contramão?
Porra, aqui vão todos!”.
Não Senhor Primeiro-ministro, o Governo segue em
contramão e insiste na habitual lógica de que a realidade está enganada, o
Governo é que está certo.
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