O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem voltou a
aplicar a Portugal uma pesadíssima multa por atraso excessivo na decisão de um
processo judicial. Esta foi apenas mais uma de uma série demonstrativa de uma
mais negativas características do nosso sistema de justiça, a lentidão.
Recordo que em Fevereiro um relatório da Comissão
Europeia da Eficiência da Justiça revelava que em Portugal um processo cível
demora em média cerca de três anos a ser resolvido, uma média quatro vezes mais
alta que a da UE.
A própria Ministra da Justiça afirmou há meses
que em Portugal "ainda existe uma justiça para ricos e uma justiça para
pobres". Esta afirmação apenas surpreende por vir da ... responsável pela
justiça em Portugal o que não quer, evidentemente, significar da responsável
pelo estado a que a justiça em Portugal chegou.
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude
que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a
confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta
confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo,
a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com
os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses
corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das
maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Entre 2008 e 2010, 5341 arguidos não foram
condenados por prescrição dos crimes de que estavam acusados sendo que em 2009
a prescrição evitou a condenação de 1489 arguidos já condenados em primeira
instância.
Não se estranha, são recorrentes a demora, a
manha nos processos judiciais com a utilização de legislação complexa, ineficaz
e cirurgicamente construída para ser manhosamente usada por quem a construiu
que, com base em expedientes dilatórios, promove a injustiça, ou seja, é uma
justiça manifestamente marcada pelas desigualdades de tratamento como a
Ministra referiu, etc. Quase todos os dias temos exemplos sobre este universo
que, lamentavelmente, já não nos surpreendem, não nos sobressaltam. Quando
muito, dedicamos-lhe um encolher de ombros a suportar um pensamento
telegráfico, "mais um". Veja-se o que tem sido o trajecto de alguns
processos, por exemplo, o que envolve Isaltino Morais.
Parece-me ainda de relembrar um relatório de
2011, creio que também da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça no
âmbito do Conselho da Europa, que, para além de referir a morosidade, revelava
que, curiosamente, somos um dos países com um rácio maior de profissionais de
justiça por 100 000 habitantes, 294.9, (envolve juízes, advogados, procuradores
e notários). É notável, este facto transmite a ideia que esta gente toda se
atropela, engarrafando processos e procedimentos.
É verdade que foram recentemente introduzidas
alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal que, não sendo um
especialista, não consigo avaliar do seu eventual impacto no cenário actual. No
entanto, continuo a entender que não existe uma determinação sólida e
consensual de alteração da teia de ineficiência que é a nossa justiça apesar da
retórica das afirmações. Sofrem os cidadãos individualmente e sofre a qualidade
da vida cívica de um país que percebe o seu sistema de justiça como forte com
os fracos, fraco com os fortes, moroso, ineficaz e, definitivamente injusto. É
mau, muito mau.
Apesar de sucessivos discursos sobre o que se tem
passado ao longo de décadas no sistema de justiça português, a situação
existente fez bater no fundo os níveis de confiança e credibilidade.
1 comentário:
O último que feche a porta e apague a luz.
Abraço
António Caroço
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