Enquanto não estiver encerrado é impossível não
atentar nos desenvolvimentos dos processos de candidatura autárquica de pessoas
que já cumpriram três mandatos. O Tribunal Cível de Lisboa recusou o recurso do
PSD relativo à decisão anterior que impedia Fernando Seara de se candidatar à
Câmara de Lisboa o que na altura considerei um sinal positivo. Como sinal
negativo temos que o Tribunal Judicial de Tavira mostrou um entendimento
diferente sobre a providência cautelar também interposta pelo Movimento
Revolução Branca relativa à candidatura de José Estevens à Câmara de Tavira
tendo já cumprido três mandatos noutra autarquia.
Gostava que os sinais positivos nos deixassem
pensar que algo pode mesmo mudar para melhor na qualidade da nossa vida cívica
e na saúde da nossa democracia. Nas mais das vezes o entusiasmo esfuma-se
depressa pois a partidocracia tem vindo a arquitectar um sistema altamente
resistente à mudança e protector dos seus interesses.
As decisões impeditivas das candidaturas
radicando na legislação parecem-me, talvez por não ser jurista, as mais óbvias
das decisões e um indicador importante para os preparativos em curso na dança
das cadeiras e que produzem o deprimente espectáculo a que vamos assistindo na
tentativa de promover e dar cobertura às migrações de "dinossauros"
autarcas que assim se eternizam ao serviço da partidocracia.
A lei de limitação de mandatos parece clara na
sua intenção e formulação mas, como sempre, se não serve os interesses
partidários de ocasião, torce-se a lei, é simples, e ela passa a dizer o que
nós queremos que ela diga. O último episódio, de uma mestria insuperável, foi a
"descoberta" feita em Belém de que se trocaram os "da"
pelos "de" entre a lei aprovada na AR e a publicada no DR e, claro,
avoluma-se o alarido.
Não sou jurista, nem constitucionalista e como
cidadão parecem-me razoavelmente claras duas ideias, a saber, em primeiro lugar
é saudável e desejável do ponto de vista, político, democrático e ético que se
limitem os mandatos de cargos políticos exercidos pelo mesmo cidadão, ponto. Em
segundo lugar, a Constituição estabelece o mesmo entendimento político no
artigo 118º, "Princípio da Renovação" afirmando, "Ninguém pode
exercer a título vitalício qualquer cargo político de âmbito nacional, regional
ou local", ponto.
Parece-me, pois, claro que qualquer lei que
cumpra a Constituição, como não pode deixar de ser, não pode aceitar e admitir
que um cidadão, desde que vá saltando de município em município, possa ocupar a
função de presidente de câmara, por exemplo, a título vitalício.
É este entendimento manhoso, inconstitucional,
que a maioria dos partidos representados na Assembleia da República assume na
defesa dos seus interesses locais onde impera amiguismo, aparelhismo e
pagamento de favores e natureza variada. No entanto, deve sublinhar-se que
mesmo dentro dos partidos que enquanto tal "torcem" a lei,
interpretando-a no restrito sentido dos seus interesses, existe muita gente que
sustenta o óbvio, autarcas com três mandatos cumpridos não podem candidatar-se.
No entanto, em termos de saúde ética da nossa
vida cívica, o preço deste pântano é altíssimo. O despudor e a partidocracia
capturaram e debilitaram a qualidade da democracia, a confiança e o
envolvimento cívico dos cidadãos.
Este é, também, uma dimensão enorme da crise, das
crises. Esperemos que esta decisão do Tribunal Cível de Lisboa seja mesmo um
sinal de que algo pode mudar.
Como diz o Velho Marrafa lá no Meu Alentejo, "Deixe lá ver". Até porque ainda faltam os recursos, é claro.
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