sábado, 6 de setembro de 2014

CHUMBAR PARA APRENDER ... OU NÃO

"Projecto “inovador” torna Agrupamento Escolas de Carcavelos num dos melhores de Cascais"
Uma experiência muito interessante e bem sucedida no Agrupamento de Escolas de Carcavelos merece reflexão e divulgação. Partindo do princípio de que, afirma o Director, "Não acreditamos que a retenção dos alunos seja a melhor forma de lhes dar sucesso. Só há repetentes se houver mesmo necessidade disso e a decisão tem de ser unânime pelos 13 professores que compõe o conselho de turma", a escola desenvolveu um conjunto de estratégias e objectivos que permitiu passar de Agrupamento com os piores resultados do Concelho de Cascais em 2003 para actualmente ser o segundo melhor e frequentado por 2500 alunos. O Director afirma que "Nós não estamos preocupados com o 'ranking', o sucesso é a transição dos alunos e, nisso, temos hoje uma taxa de sucesso de 97 por cento", o que representa um progresso notável.
Na verdade, muitos estudos, nacionais e internacionais, mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoio, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias, desde o início da percepção de dificuldades, de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores. O aumento do número de alunos por turma no Ensino Básico e no Secundário é, apenas, um exemplo do que não deve ser feito se, efectivamente, se quiser promover qualidade e sucesso.
Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.
Por outro lado, a tendência examocrata que se verifica sustentanto a introdução de mais e mais exames como se, só por existirem, melhorassem a qualidade merece reflexão pois, como tenho afirmado, corremos o risco do trabalho escolar se organizar centrado na preparação dos alunos para a multiplicidade de exames que realizam, ou seja, como me dizia há tempos um professor do ensino secundário, "o trabalho com os alunos é muito interessante mas a partir de certa altura sou eu e eles contra os exames".
Esta perspectiva, mais exames como fonte de qualidade, parece decorrer da estranha convicção de que se medir muitas vezes a febre, esta irá baixar o que é, no mínimo, ingénuo.
A "febre" baixa com "tratamento" continuado, adequado e oportuno, como acontece no Agrupamento de Escolas de Carcavelos. 

2 comentários:

Pedro disse...

Primeiro, devo começar por dizer que acredito num sistema de precedências (a par do que é feito no Ensino Superior). Os alunos não são iguais, não têm apetências nem capacidades iguais e, por isso mesmo, este sistema não prejudicaria nenhum aluno. Um aluno que, numa determinada disciplina, tivesse adquirido as competências necessárias, iria progredir na mesma...no entanto, caso não o tivesse feito em outra disciplina, teria a oportunidade de tentar de novo (e assim não teríamos o caso ridículo de alunos que são obrigados a repetir assuntos onde já atingiram as competências previstas). Seriam as instituições de Ensino Superior que teriam de estabelecer as premissas para a entrada nas suas turmas (exemplo...um curso poderia pedir um nível 4 a Geografia e um nível 12 a Matemática).
Sobre o sistema em vigor: Parte do problema com a avaliação é fruto de uma visão errada (a meu ver, obviamente) da mesma. Entender a progressão como "prémio" e a retenção como "castigo" é meio caminho andado para uma avaliação enviesada (e um entendimento da mesma enviesado também).
Já ouvi, em vários momentos, que "quem é retido, tem maior probabilidade de tornar a ser retido e que, por isso, não deva existir retenção"...é um facto mas os argumentos utilizados para o apoiar estão errados. A verdade é que, os alunos estão mais sujeitos a serem retidos novamente porque o foram no momento errado (na maioria dos casos já o deveriam ter sido antes). Tenho assistido, ano após ano, que os alunos são "arrastados" para a progressão sem estarem preparados para o que se avizinha. O panorama da Matemática (por exemplo) é tão mau, porque os alunos progridem sem atingirem as competências que lhes permitiriam encaram de forma natural os novos desafios. A retenção em final de ciclo é apenas um “empurrar com a barriga”… nada mais. O aluno é retido porque se defronta com uma avaliação externa (não quereria ser eu a explicar a um encarregado de educação o motivo porque o seu educando nunca mais irá sair de um nono ano).
Passando ao exemplo apresentado: O diretor diz “Nós não estamos preocupados com o ‘ranking’, o sucesso é a transição dos alunos e, nisso, temos hoje uma taxa de sucesso de 97%”. Se o sucesso se traduz pela simples transição dos alunos, então temos minado todo o nosso sistema de ensino. A percentagem de sucesso que se alcança pouco diz sobre sucesso… existem fatores externos que influenciam este “sucesso” , um dos quais, a pressão que um diretor pode exercer nos professores para inflacionar avaliações. E, obviamente, a avaliação externa virá indicar que, no panorama nacional, os alunos não têm assim tanto sucesso (daí o fugir para a frente e dizer que o ranking não importa). Por isso…os 97% não me surpreendem…nem me fazem acreditar nesse “sucesso”.
Hoje, nós, professores, gastamos mais em justificações de avaliações, em relatórios, em encontrar estratégias para debelar maus resultados que pouco nos preparar aulas que realmente consigam sortir efeito para determinado grupo-turma.
O sistema atual não conta com a minha simpatia, (como comecei por referir) no entanto não devemos dar pouca importância ao sentido de justiça do próprio aluno. Quando um aluno, que conhece as “regras do jogo” sabe que vai ser retido e, afinal não o é, afeta não só a sua visão sobre a escola, sobre o seu trabalho, mas também como existem regras e leis que não se cumprem…seja na escola, seja fora dela.

Zé Morgado disse...

Olá Pedro, o seu comentário é muito interessante mas não consigo discuti-lo neste espaço. O sentido do meu texto é relativamente simples, chumbar acreditando que o aluno só porque chumba irá ter sucesso no ano seguinte não funciona seja em que altura for do seu trajecto escolar. A questão estará mais, como se passa noutros sistemas na detecção precoce de dificuldades e apoio oportuno. Isto não invalida que, sobretudo em anos mais avançados da escolaridade, não possa recorrer-se à retenção desde que, tanto quanto possível, acompanhada de algum tipo de apoio.