domingo, 21 de setembro de 2014

UM MINISTRO EM CONTRAMÃO

O Ministro Nuno Crato concede ao DN uma extensa entrevista extremamente elucidativa. Apesar de não terem sido abordados várias importantes dimensões da educação, em todas as matérias objecto da análise o Ministro considerou que tudo está a correr bem e com resultados positivos desvalorizando as críticas e insistindo no humilde e nobilíssimo gesto do pedido de desculpas sobre "a incongruência" no processo de colocação de professores. Apesar deste patético discurso insiste que não é relevante e que tudo continua muito bem.
O contacto diário com o universo da educação e a leitura atenta do que vai saindo na imprensa por parte dos agentes e intervenientes nos processos educativos, que incluem tanto organizações ou instituições, como vozes menos “institucionais”, eventualmente mais libertas de interesses corporativos ou de outra natureza, permitem constatar um estranho consenso globalmente contrário à PEC - Política Educativa em Curso, com uma pequena excepção, os interesses dos estabelecimentos de ensino privado, básico e secundário, parecem estar a ser acautelados por Nuno Crato.
Este consenso, pouco habitual em Portugal, ainda que em alguns aspectos já conseguido por aria de Lourdes Rodrigues, é sintomático e deveria ser reflectido. Os manuais de política afirmam que não se pode governar a partir da “rua”, mas também dizem que não se deve esquecer a “rua”. Acresce que aqui nem sequer estamos a falar da “rua” no sentido mais habitual. Figuras de altíssimo relevo na investigação e na ciência, os reitores e presidentes dos institutos politécnicos, bem como as respectivos estruturas e corpos docentes e de investigação, docentes do ensino básico e secundário, direcções de escolas e representantes dos pais, relatórios da Inspecção-geral da Educação e da Ciência, Conselho Nacional de Educação, estabelecem um ensurdecedor coro de críticas face às medidas globais e sectoriais e ao desinvestimento e deriva na política do MEC.
Neste estranho cenário, o Ministro Nuno Crato prossegue com a maior tranquilidade o seu caminho de implosão da escola pública e de transformação regressiva da educação e do ensino, subscrevendo decisões, orientações e práticas que a investigação e a experiência nacional e internacional não aconselham, mas que o Ministro persiste em levar por diante.
Esta atitude de Nuno Crato que, creio, terá consequências sérias para o nosso sistema educativo, atropelando o direito à educação de qualidade de milhares de alunos, cada vez me lembra mais a história que se conta no meu Alentejo relativa ao sujeito que indo, sem dar por isso, em contramão na auto-estrada, ouve avisar pela rádio que se encontra um automobilista a circular em contramão naquela via. O nosso amigo condutor ouviu e interrogou-se “Só um em contramão? Porra, aqui vão todos!”.
Não, Ministro Nuno Crato, o senhor é que segue em contramão.

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